What a difference a day makes
Por razões bem distintas, o Brasil parou em 17 de junho pelo segundo ano consecutivo
Um programa humorístico de TV produziu um clipe hilário ainda durante as quartas de final da Copa do Mundo. Simplesmente trataram de colar uma sucessão de uns 20 ou 30 trechos de opiniões de “especialistas em futebol” emitidas antes de o torneio começar. Algumas até cometidas durante os primeiros dias do campeonato. A quantidade de profecias furadas, opiniões estapafúrdias, bolas fora olímpicas e palpites que o tempo provou desprovidos de pé e cabeça fez mãe Dinah revirar seu corpanzil no jazigo e produziu gargalhadas rasgadas e genuínas na população. E o elenco era bom. Reunia, sem piedade, ex-jogadores campeões, árbitros aposentados, comentaristas dos tipos “Futipedia”, “ousadinho”, “educado sabichão”... Havia de tudo e não escapava ninguém.
De alguma maneira, depois do surto de risadas naquilo que funcionou como uma espécie de desabafo inconsciente pelo festival de baboseiras que teve de aturar nos últimos meses em todos os tipos de suportes midiáticos, o espectador mais arguto parece ter sido levado a uma reflexão interessante: há muito mais mistérios entre as duas linhas de fundo do que sonha a nossa vã filosofia.
Um dos muito intrigantes é o que vai embutido na pergunta que o antropólogo Roberto DaMatta brilhantemente responde no artigo da páginas 64: por que o país para quando Neymar entra em campo? E há outros mistérios tão cabeludos quanto David Luiz, que nossos convidados vão abordando ao longo das próximas páginas. Mas talvez o maior, que inspira a presente edição de número cabalístico da Trip, é o que há de fato de semelhanças e diferenças entre um mesmo dia em dois anos subsequentes. Talvez você mal se lembre, mas no mesmíssimo santo dia 17 de junho em que num clima de absoluta festa e celebração a seleção brasileira empatava com a do México, exatamente um ano antes, o país vivia momentos absolutamente tensos, violentos e, à sua maneira, também inspiradores pela esperança de um despertar e da revolta popular diante do “swell” permanente de incompetência, corrupção, malversação do erário e outras desgraças com as quais convivemos desde sempre.
Nossa tentativa nesta Trip 234 foi justamente produzir, digamos, uma “análise comparada despretensiosa” que envolveu dezenas de pessoas pelo mundo, um pequeno exército de câmeras que iam das menos rebuscadas contidas nos celulares até as mais modernas teleobjetivas postadas à beira dos campos fiscalizados pela Fifa, passando até por uma inovadora instituição de pesquisas via aplicativos digitais nas redes sociais e, evidentemente, por muito trabalho, para fazer aquilo que fazemos melhor: propor as boas perguntas, ainda que não existam respostas blindadas contra o erro – que aliás, diga-se, possivelmente seja a melhor definição da condição humana.
Paulo Lima, editor