As pessoas com deficiência não
são só inspiração ou superação,
tampouco merecem parabéns por
atividades cotidianas. Entenda
como essa discriminação impacta
na vida em sociedade

Por: Maria Paula Vieira
Fotos: Arquivo pessoal

Um preconceito chamado capacitismo

Capacitismo é o termo usado
para descrever a discriminação
e a opressão contra pessoas
com deficiência, que abrange
desde a acessibilidade até
a forma como a sociedade
trata essas pessoas

“Não conseguimos passar pela
vida sem experimentar ao menos
uma situação capacitista.
E é democrático: afeta todas
as classes sociais”, afirma
Mayra Ribeiro de Oliveira,
do coletivo feminista Juntas

O preconceito se manifesta
de diversas formas, mas ainda
é percebido como inofensivo
por parte da sociedade.
Até quem vive na pele pode
passar anos sem saber que
existe um nome para isso

“Eu não entendia quando
diziam: ‘Coitadinha, tão
novinha na cadeira de rodas,
tão bonita’. A gente tem que
ser velha e feia?", questiona
Tabata Contri, que é sócia
da Talento Incluir e ficou
paraplégica aos 20 anos

“Ou quando alguém vinha me
dar parabéns porque eu estava
me divertindo na balada
ou perguntava ‘por que
você trabalha? Se aposenta!’,
entre outras abordagens
totalmente invasivas”

Além dos elogios fora de
contexto – a tal da inspiração
–, a superação é uma das
primeiras palavras que
aparecem em quase todas
as publicações que mostram
uma pessoa com deficiência

“Quando faço algo normal,
como trabalhar, cuidar
da casa ou ser mãe, e sou
supervalorizada por isso,
o foco está na deficiência,
na limitação”, diz Andrea
Schwarz, CEO da iigual
Inclusão e Diversidade

“Nós podemos ser superação
e inspiração, como qualquer
pessoa, mas não somos só
isso! Nossa deficiência
é só um detalhe”, diz a
estudante Ana Clara Moniz

“O capacitismo está em coisas
que nem imaginamos, até
dentro da gente. E só quando
refletimos e saímos do padrão
que a sociedade propaga
notamos que talvez tenham
nos ensinado errado”

“O problema é que a
mesma sociedade que nos
dá parabéns por ultrapassar
uma barreira arquitetônica
é aquela que não nos dá
recursos mínimos para ir
e vir”, afirma Tabata Contri

Cerca de 24% da população
brasileira têm algum tipo
de deficiência, segundo o
IBGE, mas a parcela ocupando
o mercado de trabalho ainda
é baixa, representando 1,04%
das carteiras assinadas em 2018

“Se não fosse a lei de cotas,
o capacitismo institucional
seria ainda maior. Quase
nenhuma empresa quer nos
contratar por conta própria”,
conta Ivan Baron, estudante
de pedagogia

“Quantos líderes com
deficiência você vê?
A representatividade de
pessoas com deficiência na
alta liderança das empresas é
praticamente nula, assim como
em outros espaços importantes”,
diz Andrea Schwarz

Em um país majoritariamente
negro, muitos carregam duas
lutas: o anticapacitismo
e o antirracismo

“O exemplo de superação na
mídia é sempre branco, porque
de preto ninguém tem dó, preto
não é exemplo”, afirma Luciana
Viegas Caetano, professora
de educação inclusiva,
militante da causa e autista

O combate de Luciana é duplo:
além dela, o filho, Luiz,
também está dentro do espectro
autista. Entre muitas
 preocupações, ela tem medo
da agressão policial que ele
pode sofrer quando crescer

“Luiz é um menino preto
e autista não verbal. Será
que iriam ouvi-lo? Será que
daria tempo de ele sinalizar
que não falava?”, questiona

Para Mayra, do coletivo
feminista “Juntas”, os
movimentos sociais ainda
apagam questões sobre
o capacitismo e separam
quando deveriam unir

“Esquecem que, entre as
pessoas com deficiência,
existem pessoas negras,
periféricas, LGBTQIA+
e mulheres, que estão em maior
situação de vulnerabilidade
à violência”, aponta

Para ela, é preciso, antes de
mais nada, ouvir a comunidade:
“A partir do momento em que
a gente conhece a causa,
vamos aprender e lutar
contra o capacitismo em
todos os seus vieses”

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