Texto e fotos:
Wendy Andrade

Uma crônica sobre o Rio,
a violência e o sorriso

salva

Só o afeto

Eu gosto do Arpoador.
Gosto das pessoas que
frequentam o Arpoador.
E sim.
Eu romantizo o Arpoador.
Tudo ali é poesia.

Mas claro.
Eu sei muito bem das
nuances do Arpoador.
Sei do arrastão.
Do furto do celular.
Do cordão arrancado do pescoço.
Mas eu me nego a ficar
só nisso.

Tem um tanto de criança ali.
Apenas se divertindo.
Tem um tanto de criança ali.
De 7 a 10 anos.
Se banhando de vestido.
De bermuda jeans.
Porque não tem roupa de banho.

Estão ali.
Só pulando as ondas.
Correndo das ondas.
E sorrindo.

E outros.
Maiores de idade já.
Só estão querendo mergulhar.
Saltar da pedra.
Aprender a surfar.
Uma fuga do caos.
Da violência.

Então.
Toda vez que aparece
algum menino me ameaçando.
Ou tentando me roubar.
Eu enfrento.

Vou lá e mostro pra ele
que podemos ser amigos.
Que por mais que ele tente.
Eu não vou sentir medo dele.

E esses dias.
Aconteceu algo legal.
As crianças que ficam
ali pulando da pedra.
Me reconheceram.
Me pediram foto.
Pegavam o celular da minha mão.
E exibiam suas fotos
para outros amigos.

E naquele momento.
Eu senti que criamos
uma relação de confiança.
De amizade.
Eles se sentem à vontade
pra me pedir foto.
Pra me abraçar.
E pra me pedir comida também.

A maioria.
Tá na rua desde cedo.
Tem fome.
Tem sede.
E não tem dinheiro.

E o pão com mortadela.
Tão debochado durante
as eleições.
É a alegria da criançada.
E eu.
Bobo que sou.
Não tenho como dizer não.

Veja.
A única política
que chega na favela.
É a da bala.
Do tiroteio.
Da violência.
Do desrespeito.
Do abuso.

E aí.
Chega aqui fora.
No asfalto.
A violência continua.
O seu olhar pode ser violento.
Pra caralho.

Sabe.
Saiu no jornal.
Duas crianças pretas foram
assassinadas pela polícia.
Estavam brincando.
Na porta de casa.
Até que a polícia chegou.
E matou.
Sem chance de vida.

Emilly de 4 anos.
E Rebeca de 7 anos.

Se foram.

Quer saber a real?
Só o afeto salva.

Experimenta abrir um sorriso.
Tua cara de desprezo
não ajuda em nada.
O estado já faz isso.
Mata!
Tenta fazer diferente.

Conteúdo que transforma