Eu gosto do Arpoador. Gosto das pessoas que frequentam o Arpoador. E sim. Eu romantizo o Arpoador. Tudo ali é poesia.
Mas claro. Eu sei muito bem das nuances do Arpoador. Sei do arrastão. Do furto do celular. Do cordão arrancado do pescoço. Mas eu me nego a ficar só nisso.
Tem um tanto de criança ali. Apenas se divertindo. Tem um tanto de criança ali. De 7 a 10 anos. Se banhando de vestido. De bermuda jeans. Porque não tem roupa de banho.
Estão ali. Só pulando as ondas. Correndo das ondas. E sorrindo.
E outros. Maiores de idade já. Só estão querendo mergulhar. Saltar da pedra. Aprender a surfar. Uma fuga do caos. Da violência.
Então. Toda vez que aparece algum menino me ameaçando. Ou tentando me roubar. Eu enfrento.
Vou lá e mostro pra ele que podemos ser amigos. Que por mais que ele tente. Eu não vou sentir medo dele.
E esses dias. Aconteceu algo legal. As crianças que ficam ali pulando da pedra. Me reconheceram. Me pediram foto. Pegavam o celular da minha mão. E exibiam suas fotos para outros amigos.
E naquele momento. Eu senti que criamos uma relação de confiança. De amizade. Eles se sentem à vontade pra me pedir foto. Pra me abraçar. E pra me pedir comida também.
A maioria. Tá na rua desde cedo. Tem fome. Tem sede. E não tem dinheiro.
E o pão com mortadela. Tão debochado durante as eleições. É a alegria da criançada. E eu. Bobo que sou. Não tenho como dizer não.
Veja. A única política que chega na favela. É a da bala. Do tiroteio. Da violência. Do desrespeito. Do abuso.
E aí. Chega aqui fora. No asfalto. A violência continua. O seu olhar pode ser violento. Pra caralho.
Sabe. Saiu no jornal. Duas crianças pretas foram assassinadas pela polícia. Estavam brincando. Na porta de casa. Até que a polícia chegou. E matou. Sem chance de vida.
Emilly de 4 anos. E Rebeca de 7 anos.
Se foram.
Quer saber a real? Só o afeto salva.
Experimenta abrir um sorriso. Tua cara de desprezo não ajuda em nada. O estado já faz isso. Mata! Tenta fazer diferente.