Homenageado pelo prêmio Trip Transformadores 20/21, o ex-diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais se tornou um símbolo da luta contra o negacionismo na ciência
Imagens: arquivo pessoal/ divulgação
O físico e engenheiro Ricardo Galvão ficou conhecido em todo o Brasil do dia pra noite
Em julho de 2019, o professor universitário, que nunca tinha tido grande projeção fora do universo científico, virou notícia na imprensa nacional e internacional
Naquele dia 19, o presidente Jair Bolsonaro colocou em xeque a veracidade dos dados divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais sobre o desmatamento da Amazônia
“Eu tenho convicção que os dados são mentirosos. Até mandei ver quem é o cara que está à frente do Inpe para vir explicar aqui em Brasília. Até parece que ele está a serviço de alguma ONG”, disse
O “cara à frente do Inpe” era Ricardo Galvão, então diretor da instituição, que participava de uma banca de teses no Rio de Janeiro e só soube dos ataques do presidente horas depois
“Quando me contaram, eu fiquei até meio zonzo, minha pressão baixou, me acudiram. Em 50 anos de serviços públicos, nunca tinha passado por nada parecido. Fiquei indignado, mas não agi imediatamente”
Depois de uma noite inteira pensando o que fazer, Ricardo decidiu que a melhor estratégia seria rebater o presidente veementemente, sabendo que isso lhe custaria seu cargo
“Mesmo sendo demitido, eu traria o Instituto em tal destaque na imprensa que seria muito difícil o governo continuar a atacá-lo e cercear a divulgação dos dados”
“Ele fez acusações indevidas a pessoas do mais alto nível da ciência brasileira. Não estou dizendo só eu, mas muitas outras pessoas”, disse sobre os ataques de Bolsonaro
Imagens: Rede Globo/ reprodução
Duas semanas depois do embate, Ricardo foi mesmo exonerado. Mas o caso atraiu a atenção da comunidade internacional, que passou a ficar de olho na forma como o país lidava com as questões ambientais
Depois de alguns meses, os dados divulgados pelo Inpe – que apontavam um aumento de 88% no desmatamento da Amazônia – foram comprovados por outros institutos de pesquisa, entre eles a NASA
“Os ataques à ciência sempre ocorreram na história da humanidade. Pessoas em posição de poder se incomodam com resultados de pesquisas que vão contra os seus interesses ou desejos”, diz Ricardo
Com a repercussão do caso, ele deu palestras no mundo todo e, no final de 2019, foi eleito um dos dez cientistas do ano pela revista Nature, uma das mais prestigiadas na área da ciência
Foto: Fernando Martins/ Trip
“Eles disseram que meu posicionamento foi relevante também no cenário internacional, onde está predominando o negacionismo. E minha resposta tinha incentivado muitas pessoas a fazerem o mesmo”
Apesar de todo o trauma, Ricardo acredita que a decisão de confrontar o presidente e defender publicamente a ciência tenha sido uma das mais importantes da sua vida
“Me paravam todos os dias na rua para me cumprimentar e agradecer. Uma senhora me disse que o que aconteceu a fez abrir os olhos e tomar consciência da importância de preservação da Amazônia”
Ricardo também foi alvo de ataques de grupos bolsonaristas e viu seu nome envolvido em muitas fake news.
“Como não tenho redes sociais, minha esposa e meus três filhos me preservaram”
Desde que deixou o cargo no Inpe, o físico e engenheiro voltou para a sua posição de professor no Instituto de Física da USP
“Fico feliz de ver os jovens motivados pela preservação do meio ambiente e lutando contra o negacionismo. O papel do professor é ensinar não só uma profissão, mas uma atitude diante da vida”
“Não podemos mais ter um desenvolvimento baseado num capitalismo predatório. A pauta da sustentabilidade e da preservação do meio ambiente são tão importantes quanto o desenvolvimento econômico”
Gente que acredita que só vai ficar bom de verdade quando estiver bom para todo mundo