Quando percebeu que os livros
de medicina quase sempre eram
ilustrados com imagens de pessoas
brancas, Chidiebere Ibe decidiu
usar sua arte para mudar a
literatura médica pelo mundo

Por: Caio Ferretti

Falta cor
na medicina

Não é exagero dizer:
esta imagem iniciou uma
transformação na medicina
depois de viralizar nas
redes sociais. O motivo?
A cor usada para pintar
a pele das pessoas

Por incrível que pareça,
até mesmo em países que
têm maioria da população
negra os livros usados
nas faculdades de medicina
quase sempre têm ilustrações
de pessoas brancas

imagem: reprodução

O responsável por chamar
atenção para a falta de cor
na literatura médica e iniciar
o debate no mundo todo foi
o ilustrador nigeriano – e
agora estudante de medicina
– Chidiebere Ibe, de 26 anos

“Quando comecei a fazer
ilustrações médicas, em
2020, pesquisei muito o
assunto. Percebi a falta
de diversidade de cor
nas imagens. Vi uma
falha no sistema médico
e decidi agir”, lembra

A percepção de Chidiebere
tem fundamento. Um estudo da
Universidade da Pensilvânia
publicado pela Academia Americana
de Dermatologia apontou que
apenas 4,5% das ilustrações
na literatura médica
representam peles negras

Transformar essa estatística
não é só uma questão de
representatividade. É muito
mais: a diferença na cor
das ilustrações pode até
levar jovens médicos
a diagnósticos errados

Isso porque algumas doenças
se manifestam de forma
diferente em peles mais
claras ou mais escuras.
Se os médicos só estudam
os sintomas em imagens
de uma pessoa branca,
acabam errando ao receber
um paciente negro

“A maioria dos
dermatologistas não
está totalmente ciente
da variação dos sinais de
doenças. É difícil distinguir
condições como erupção
cutânea, varicela, etc
em peles diferentes”

A iniciativa pode ter impactos
positivos também no Brasil:
“A maior parte da nossa população
é preta ou parda”, diz o Dr.
Júlio César de Oliveira,
da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo

“E a maior parte da
população negra é usuária
do SUS, onde se concentram
os centros de formação em
medicina. Essas ilustrações
trazem visibilidade a um
problema existente, mas
pouco falado”

Chidiebere calcula ter feito
pouco mais de 50 ilustrações
médicas representando pessoas
de pele negra até agora.
E as imagens têm chamado
a atenção da comunidade
médica no mundo todo

“Tenho recebido pedidos
de grandes editoras
de livros médicos. É um
momento muito gratificante.
Acredito que é assim que
começa a mudança que
queremos ver”, conta

A necessidade de aumentar
a produção de imagens para
atender as editoras revelou
outro problema: faltam
pessoas capacitadas para
fazer as ilustrações das
doenças em peles negras

“Sim, faltam profissionais.
Mas tenho um projeto
para treinar ilustradores
que será lançado em
breve. É uma iniciativa
bem abrangente”, revela
Chidiebere, evitando
dar muitos detalhes

Chidiebere não estudava medicina
quando começou com as ilustrações.
Mas, apaixonado pela profissão,
arrecadou dinheiro em um
crowdfunding e entrou na
Universidade de Kiev – com
aulas à distância, diga-se

Ainda faltam alguns anos
para que Chidiebere se
torne médico, mas ele sabe
que já começou a transformar
a medicina antes mesmo
de receber um diploma

“Sinto que estou mudando
a história dos estudos
médicos no mundo. Estou
feliz por liderar essa
mudança, mas também quero
ver os trabalhos de outros
ilustradores que, espero,
captem a visão”

Conteúdo que transforma