Os moleque
é zica

Ariel Franco, o barbeiro
que deixou para trás os dois
anos na cadeia e o perigo
de virar estatística para
traficar influência riscando
topetes coloridos

Por: Nathalia Zaccaro
Imagens: Alex Batista/ Trip

Quando Ariel era moleque,
a moda era ter o cabelo
twister. “A gente passava
alisante e depois botava
ele todo arrepiadinho.
Eu gostava de ter
estilo”, conta

Quase todos os moleques
da periferia de São Paulo
nos anos 90 curtiam ter
um cabelo estiloso e se
agilizavam como conseguiam
para bancar o visual

Com 12 anos, ele fazia bicos
pela cidade – trabalhava
na feira do Pacaembu, vendia
Zona Azul. O dinheiro era
pra ajudar em casa, comprar
roupa e, sempre que dava,
fazer o cabelo

Um pouco mais velho, perto
dos 15, se envolveu com
o crime. Aos 19, rodou
e foi preso. “Dividia
a mesma cela com mais
50. Eu fiquei muito mal
psicologicamente”, diz

Depois de um ano na
cadeia, ouviu o conselho
de um parceiro e começou
a trabalhar dentro do
presídio cortando cabelo:
“Era um momento de
liberdade”

Quando saiu da prisão,
abriu uma pequena barbearia
e começou a desenvolver
suas próprias técnicas

A invenção de Ariel, o blindado,
é um topete super modelado,
multicolorido e “inamassável”

É na barbearia dele que
a molecada da Brasilândia
se reúne pra cortar o cabelo
ou simplesmente se encontra
e troca ideia em um dos
lugares mais famosos
do bairro

“Minhas fotos que fazem
mais sucesso no Instagram
são as do cabelo blindado”,
comemora Gustavo Rodrigues.
Para ele, é sinal de moral
ser do mesmo bairro que
Ariel e ostentar um topete
original da Brasilândia

O blindado é a assinatura
particular de Ariel
para um fenômeno que,
na verdade, é mundial

“Não é o corte do príncipe
Harry que inspira as
periferias. Essa estética
é global, ditada sobretudo
pelos ícones esportivos
e da indústria cultural”,
explica o sociólogo
Gabriel Feltran

“Há algumas décadas,
os jovens das periferias
não tinham tantas
referências de beleza
em seus contextos.
O efeito disso é a ideia
de que outros, que não
se parecem comigo, é que
seriam bonitos. Agora,
os que se parecem comigo
também são muito bonitos”

O rompimento entre o que
a elite considera belo e o
que as periferias defendem
como estética própria é,
por si só, revolucionário

Emílio Domingos acompanha de
perto a relação entre estética
e identidade das periferias
cariocas. Em 2017, ele lançou
o filme “Deixa na Régua”, que
registra a rotina das barbearias
da zona norte do Rio

“Os barbeiros adquirem
status porque conseguem
uma grana acima da média
da favela. O fato de
eles terem um pouco a
personalidade de artista,
de criador, também
interfere”, conta o
documentarista

“Acho que não tem
sensação melhor no mundo.
Vejo que sou um espelho
para os mais novos e tento
ser para eles o exemplo
que não tive, para que
entendam o que eu não
entendi”, diz Ariel

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