Com um ritual de acasalamento
que envolve até 100 membros,
sexo oral e homossexualidade,
os golfinhos-rotadores têm
muito a ensinar aos que
passam pela ilha 

Por: heitor flumian
fotos: divulgação

O verdadeiro
surubão de
Noronha

Não tem jeito: ficou
difícil falar de Fernando
de Noronha – e de suruba
– sem a quinta série que
nos habita fazer piada
lembrando da suposta
orgia que teria rolado
por lá entre atores da
Globo em 2019

Mas o que pouca gente
sabe é que enquanto a lenda
sobrevive em terra firme,
é nas águas do arquipélago
que o bicho, literalmente,
pega. Os protagonistas,
neste caso, são os
golfinhos-rotadores 

Eles são conhecidos pelos saltos
que dão fora d’água, em que chegam
a girar até sete vezes em torno
do próprio eixo, pra alegria dos
turistas. Mas também chamam atenção
pelo seu comportamento sexual

“Eles têm uma conduta
reprodutiva polígama,
na qual os parceiros de
cópula não são definidos.
Também fazem sexo por
puro prazer oU MESMO
para estreitar laços
afetivos, incluindo
o sexo oral”

Quem explica essa dinâmica
é a educadora e gestora
ambiental Cynthia Gerling
e a bióloga Priscila
Medeiros. Ambas trabalham
no Projeto Golfinho Rotador,
sediado em Noronha e
patrocinado pela Petrobras

Criado em 1990 por uma ONG de
mesmo nome, o projeto promove
ações de pesquisa e educação
ambiental visando a preservação
da biodiversidade marinha da
ilha. E contam, claro, com
a procriação dos golfinhos

No ritual reprodutivo dos
rotadores, cada fêmea é
cortejada por até dez machos
ao mesmo tempo, que nadam
em formação triangular
atrás dela. Para copular,
eles se põem debaixo dela
de barriga para cima

A penetração dura em média
15 segundos. Quando acaba,
este macho vai para o fim
da fila enquanto o seguinte
se aproxima da fêmea
e repete o processo.
Aí vem outro e assim vai
por mais de duas horas

Quando há mais de uma fêmea, os
grupos de cópula podem ter até
100 golfinhos. Os machos transam
com uma e em seguida com outra;
é comum ter mais de um casal
em cópula simultaneamente
no mesmo grupo 

Na maioria dos grupos, é
a fêmea que parece definir
quais machos participam
da brincadeira. Ela tanto
cria facilidades, como ficar
parada, quanto dificuldades,
como acelerar o nado ou
virar de lado

No “flerte”, os machos
esfregam, dão delicadas
mordidas, enfiam a ponta
do rostro (focinho) na
fenda genital ou mordem
a região peitoral da fêmea.
Também há casos de assédios
sexuais coletivos

“Como uma fêmea copula
com vários machos de uma
vez só, eles acreditam
que são pais de todos os
filhotes”, diz Cynthia

“Para uma cultura
monogâmica, pode soar
imoral. Mas essa conduta,
tida como ‘promíscua’
não no sentido moral
da palavra e, sim, no
da biologia, é muito
positiva: todos os machos
cuidam dos filhotes”

“O resultado é uma
estrutura social muito
fluIda, na qual inexiste
a figura paterna dominante
e as decisões de grupo
são democraticamente
tomadas. Os rotadores
vivem em harmonia,
um cuidando do outro”

Há mais de 2700 golfinhos
rotadores ao redor de Noronha.
Eles vivem entre 20 e 30 anos
e, em média, as fêmeas chegam
à maturidade sexual entre 4 e 7
anos e os machos entre 7 e 10

Os picos de cópula
reprodutiva vão de maio
a julho e de setembro
a novembro, sendo que
pode rolar sexo casual
nestes meses – tal como
acontece no resto do ano

À exceção de alguns
primatas, os golfinhos
são os únicos animais
que fazem sexo sem fins
reprodutivos: machos e
fêmeas têm nos genitais
fechos de nervos semelhantes
aos do clitóris humano

As interações sexuais
também rolam entre o grupo
de fêmeas, com mordidas
e sexo oral, assim como
entre os machos

“Nas aulas de educação
ambiental que dou nas
escolas de Noronha, uso
o exemplo do golfinho
para demonstrar como
a homossexualidade é
algo normal, lembrando
que somos animais também”,
diz Cynthia

A seu ver, o exemplo do golfinho
funciona muito bem para estimular
a reflexão sobre o assunto, já
que o animal é sempre relacionado
a um ente especial, mitológico,
inteligente e simpático

“Todos nós deveríamos
seguir a estratégia dos
golfinhos, que consiste
em cultivar a confiança
em todos os sentidos:
em si mesmo, nos outros
e no universo. Viver
atento ao presente”

“Acreditamos que
os golfinhos pensam
assim: ‘O universo é
potencialmente um lugar
abundante, tem para todo
mundo. Para eu ganhar,
você não precisa perder’”

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