Tomar doses baixas de
psicodélicos, como LSD e
cogumelos, realmente pode
aumentar a criatividade
e a concentração?

Por: NATHAN FERNANDES
ilustrações: mariane ayrosa

Microdose no
café da manhã

Todos os dias, o músico
Josh Tillman, também
conhecido como Father John
Misty, costuma tomar uma
pequena dose de LSD no café
da manhã. Ele não é o único

Influenciados por empresários
do Vale do Silício (a casa
de empresas como Google
e Facebook), profissionais
de diversas áreas têm
se dedicado à microdose
de psicodélicos

A ideia, em muitos casos,
é melhorar sintomas de
ansiedade e depressão,
ou aumentar concentração,
criatividade e produtividade.
Mas tomar psicodélicos em
doses tão baixas funciona?

A resposta curta é: pode
ser que sim. Mas antes de
sair por aí substituindo
o café da manhã por LSD
ou cogumelos mágicos convém
saber mais sobre a prática

A microdosagem costuma ser
feita com quantidades de dez
a vinte vezes menores do que
uma dose considerada suficiente
para causar uma experiência
psicodélica completa

A princípio, isso pode
ser feito com qualquer
psicodélico, mas os mais
usados são LSD e cogumelos
com psilocibina

Assim, se 100 µg (microgramas)
promovem uma experiência
completa com LSD, 10 µg são
suficientes para uma microdose;
ou algo em torno de 0,1 e
0,3g, no caso dos cogumelos

A prática mais recomendada
consiste em intercalar um dia
de uso e dois dias sem uso,
durante seis a oito semanas.
Depois, recomenda-se um
intervalo de até um mês
para restabelecer os efeitos

O conceito da microdosagem
ganhou evidência em 2011,
quando o psicólogo norte
americano James Fadiman
publicou o livro “The
Psychedelic Explorer's Guide”

Fadiman se baseou na ideia
de Albert Hoffman, o criador
do LSD, que acreditava que
doses baixas dessa substância
poderiam substituir a ritalina
— proposta rejeitada pela
farmacêutica em que trabalhava

Anos depois, o psicofarmacologista
Lucas Maia resolveu investigar
se as microdoses de fato funcionam
através de um levantamento
na principal base de dados da
literatura biomédica, o PubMed

No artigo que publicou no
portal Ciência Psicodélica,
do qual é coordenador,
o pesquisador aponta vinte
e seis trabalhos científicos,
publicados entre 2019 e 2021

Fonte: Microdoses funcionam ou são ‘apenas’ efeito
placebo?, Lucas Maia, Portal Ciência Psicodélica

“Com base nesses estudos,
é possível dizer que a
microdosagem produz
efeitos, mas ainda não
sabemos se são derivados de
expectativas (efeito-placebo),
efeitos farmacológicos
ou os dois”, EXPLICA LUCAS

Na área psicodélica, o efeito
placebo não é desprezível. “É
um fenômeno psicobiológico
importante e misterioso,
que envolve mecanismos
psicológicos, imunológicos e
endócrinos que ainda precisam
ser compreendidos melhor”

Apesar dos benefícios, os
riscos também existem. Há
pesquisadores, por exemplo,
que discutem a possibilidade
da microdose causar doença
cardíaca valvular

Mesmo assim, até hoje, não
há nenhum caso registrado
de pessoas que desenvolveram
o problema após fazer uso
contínuo de psicodélicos

Outros efeitos adversos
também incluem problemas
como ansiedade e insônia,
mas somente logo após o
uso da substância, não
permanecendo a longo prazo

“Há um oceano de mistérios
acerca do futuro dos
psicodélicos e de como
eles serão incorporados em
âmbito terapêutico/médico
e sociocultural – um
oceano que a ciência está
só começando a explorar” 

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