Homenageada pelo Trip Transformadores 20/21, a ex-doméstica está à frente da Federação Nacional das Empregadas Domésticas e luta pelos direitos de uma das categorias profissionais mais numerosas do Brasil
Presidente da Fenatrad desde 2016, a pernambucana Luiza Batista se empenha em oferecer assistência para mulheres que trabalham como empregadas domésticas
Sua atuação abrange desde a simples orientação até o acompanhamento de processos judiciais. “As leis existem no nosso país. O problema é que elas não são respeitadas”, diz
“Mesmo sendo muito importante na organização da sociedade, o trabalho doméstico é invisibilizado porque, além de ser dentro de casa, É feito, em sua maioria, por mulheres negras e sem escolaridade”
O Brasil é o país com o maior número de empregadas domésticas, segundo a Organização Internacional do Trabalho. Mais de 7 milhões de pessoas fazem parte da categoria que a Fenatrad representa
“Além da discriminação, o desafio diário é lidar com empregadores que desrespeitam direitos conquistados com muita luta e sacrifício desde os anos 30, como registrar a carteira e a jornada de trabalho”
“Muitos empregadores dizem que na casa deles quem manda são eles e os empregados têm que ficar o tempo necessário para fazer todas as tarefas do dia”, conta Luiza, com profundo conhecimento de causa
Nascida na zona rural de São Lourenço da Mata, próxima a Recife, começou a trabalhar como empregada doméstica aos nove anos na casa de uma família. Seu pagamento eram duas cestas básicas por mês
“Lá foi onde conheci pela primeira vez a crueldade das pessoas. A senhora para quem fui trabalhar me mandou acender a lâmpada e eu não sabia pronunciar a palavra lâmpada, que eu chamava de ‘lampa’”
“E fósforo, que eu chamava dE ‘fósco’. Então, quando ela mandou eu acender a lâmpada, perguntei a ela pelo ‘fósco’. Aí, ela me chamou de burra, imbecil e de idiota e ficou acendendo e apagando a lâmpada”
Luiza seria maltratada mais uma vez nesse lugar. Ao brincar com a filha de cinco anos da patroa, foi mordida e revidou com um tapa. A mãe da criança acabou lhe dando uma surra de fio de ferro
As experiências seguintes foram menos traumáticas. Antes de se aposentar por invalidez devido a um câncer de mama aos 43, trabalhou 26 anos para uma família, com carteira assinada e Previdência Social paga
Ela diz que, em muitos casos, a relação afetiva surgida nos longos períodos de convívio atrapalha o entendimento de deveres e direitos entre empregadores e empregados, prejudicando os últimos
“Se não me sento na mesa com eles, não durmo na área social, não estou no plano de saúde nem no testamento, não participo das decisões, como é que eu sou quase da família? Temos que desconstruir isso”
Sua militância começou em 1999, quando criou o Espaço Mulher no bairro Passarinho, em Recife. Além de discutir feminismo, violência doméstica e os interesses do bairro, o grupo promove alfabetização
Foi motivada por uma companheira do grupo que Luiza retomou os estudos. Ela concluiu o ensino fundamental aos 50 anos
Na escola, conheceu a então presidente do Sindicato das Domésticas de Pernambuco e se filiou. Os sindicatos acabaram se unindo e se fortalecendo por meio da Federação Nacional das Empregadas Domésticas
“Quando assumi a entidade, a presidenta Dilma já tinha sofrido o golpe, então, peguei uma fase difícil. A gente sabe que desde então não há diálogo do governo com a classe trabalhadora”
“Corremos o risco de pleitear algo e perdermos conquistas que nos custaram muito caro. A nossa luta agora é pra garantir o que temos”, diz. Na pandemia, a luta exigiu ainda mais
“Fizemos lives que renderam cestas básicas e outros recursos, e lançamos a campanha ‘Cuida de quem te cuida! Deixe sua trabalhadora doméstica em casa com salário pago’, adotada por 2 mil empregadores”
Também fecharam uma parceria com uma marca de produtos de limpeza e distribuíram 4 mil produtos para sindicatos e trabalhadoras domésticas, principalmente para as que ficaram desempregadas
Luiza acredita que a quarentena e o home office fizeram muita gente refletir sobre a importância do trabalho doméstico
“A sociedade vê como um trabalho de menor valor. Eu acredito que a pandemia não vai melhorar isso num estalar de dedos, mas pelo menos provocou a reflexão acerca do trabalho doméstico”
Gente que acredita que só vai ficar bom de verdade quando estiver bom para todo mundo