Homenageada no prêmio Trip Transformadores 20/21, a biomédica e pesquisadora foi uma das responsáveis por coordenar o primeiro sequenciamento do genoma do coronavírus na América Latina
Em um ano marcado por notícias ruins, coube à biomédica e pesquisadora Jaqueline Goes de Jesus, junto à colega Ester Sabino, ser a protagonista de uma manchete animadora
“Pesquisadoras brasileiras sequenciam o genoma do coronavírus em menos de 48 horas depois da detecção do primeiro caso da doença no país”
O Brasil passou a fazer parte das estatísticas do maior desafio mundial da saúde em décadas no dia 26 de fevereiro, através de um homem de São Paulo que tinha acabado de voltar da Itália
“Foi importante participar do sequenciamento em termos científicos, para nós como pesquisadores e pela projeção que houve da pesquisa brasileira em comparação a de outros países”, diz Jaqueline
“E, claro, para a saúde pública, pois conseguimos dar o pontapé inicial no entendimento da origem do vírus e de como deveríamos nos comportar em relação à epidemia que acabava de chegar ao Brasil”
A descoberta revelou dados sobre o vírus que poderiam ser utilizados na produção de vacinas, no desenvolvimento de tratamentos e inclusive nos diagnósticos
O sequenciamento envolveu profissionais do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo, onde Jaqueline é pós-doutoranda, do Instituto Adolfo Lutz e da Universidade de Oxford
Para se ter uma ideia do feito, outros países levaram em média 15 dias para conseguir o mesmo. “Mostramos para as pessoas o que a ciência brasileira é capaz de fazer”, diz
Baiana de Salvador, na infância flertou com a medicina inspirada pelo ambiente de trabalho da mãe, que era enfermeira. Adorava observar os profissionais de jaleco
Tomou gosto pela ciência durante o curso de biomedicina na Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, ao ser convidada para fazer sua iniciação científica na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), da Bahia
Bolsista, seu projeto envolvia estudar o comportamento de vírus como o do HIV. Em 2016, no doutorado, participou ao lado de pesquisadores gringos do Projeto Zibra (Zika in Brazil Real Time Analysis)
Em um ônibus adaptado com um laboratório móvel, rodou por cidades do Norte e Nordeste durante 15 dias fazendo o sequenciamento genético do zika vírus, fundamental no enfrentamento da doença
A experiência a motivou a se aprofundar na pesquisa das arboviroses, que são vírus transmitidos por mosquitos. É o caso de doenças como chikungunya, febre amarela e dengue
Em 2018, os estudos a levaram à Universidade de Birmingham, na Inglaterra, onde passou um semestre aprimorando as técnicas que a auxiliariam nas pesquisas com a Covid-19
“Depois do primeiro sequenciamento, publicamos um estudo maior com 427 genomas no qual mostramos como a epidemia evoluiu aqui no Brasil nos primeiros meses até maio”, conta
Jaqueline e sua equipe voltaram a se dedicar às arboviroses, mas com o coronavírus no radar. E sem se deixar afetar pela falta de apoio do governo e pelo descrédito de parte da sociedade na ciência
“Não há como contestar experimentos conduzidos dentro do rigor científico. A não ser com outro estudo científico mostrando por a + b que o resultado anterior está incorreto. A ciência funciona assim”
“A ciência está intimamente relacionada ao progresso de uma nação. Sendo assim, investir em ciência é investir no futuro”
“É dar condições para o desenvolvimento de novas tecnologias, para a formulação de respostas rápidas em todas as esferas do conhecimento, trazendo melhoria na qualidade de vida da população”
Jaqueline conta que aos poucos vai se dando conta de que tornou um exemplo de representatividade, tanto para as mulheres quanto para jovens negros que ainda não escolheram qual carreira seguir
“Apesar do racismo estrutural ser intrínseco à sociedade, dentro da ciência, um meio majoritariamente branco e masculino, a questão de gênero é mais perceptível”, diz
“A ciência ainda precisa melhorar no sentido de promover uma maior igualdade entre homens e mulheres, que ainda são cobradas por papéis sociais. Sobretudo no que diz respeito a cargos de liderança”
Gente que acredita que só vai ficar bom de verdade quando estiver bom para todo mundo