Fundador do projeto Fotografia Cega, o piauiense se tornou o primeiro fotógrafo com deficiência visual a cobrir duas Paralimpíadas
Por: larissa lins
João Maia captura o que seus olhos não podem ver
Foi a fotografia que pôs João Maia de pé quando, aos 28 anos, uma doença chamada uveíte bilateral tirou grande parte da sua visão – ele enxerga vultos até 15 centímetros distantes do olho esquerdo e nada mais
Mas isso não o fez abandonar as câmeras. Fundador do projeto Fotografia Cega, o piauiense se tornou o único profissional com deficiência visual a cobrir duas Paralimpíadas, no Rio de Janeiro (2016) e em Tóquio (2020)
“Não sou coitadinho, sou um fotógrafo. Quero que me vejam assim”, diz João, que também organiza palestras e oficinas por todo o Brasil
Ele aprendeu braille, adaptou sua casa, sua rotina e suas técnicas. Hoje, fotografa com outros sentidos e ouve atentamente o que se passa à sua volta enquanto trabalha
“Transformo sons em imagens”, conta. “Os jogadores conversando, a bola saindo da quadra, o juiz apitando, tudo isso vai compondo minha fotografia”
Em eventos como a Paralimpíada, João conta com o apoio de um assistente ou um intérprete: “Alguém para descrever o local, falar das cores, ajudar a montar a imagem na minha mente”
“Ir ao Japão não foi fácil. Criei campanha de financiamento colaborativo, vendi camisetas, fechei parcerias… Muitas marcas e pessoas se envolveram”, lembra ele, que sonha em cobrir os Jogos de Paris, em 2024
“A vida desafia, mas persisto. Não sou um bonequinho de louça que pode quebrar. Todo mundo tem limitações. No momento, a minha é visual – o que não me impede de construir coisas, desconstruir, me realizar”
A fotografia nunca foi um caminho fácil. Depois de ganhar a primeira câmera analógica de um de seus dez irmãos, aos 14 anos, ele escrevia cartas para empresas como a Kodak e Fujifilm viabilizarem seu trabalho
“Eu explicava que não tinha condições de custear materiais profissionais e eles mandavam filmes para a câmera”, lembra ele, que precisava esperar até 30 dias para receber em Bom Jesus, a mais de 600 quilômetros de Teresina, no Piauí, as fotos reveladas
Nos anos 1990, mudou-se para São Paulo, foi admitido num concurso público nos Correios, mas investiu logo o primeiro salário no hobby que virou profissão: comprou uma câmera semi-profissional
“Com a deficiência visual, passei um ano em depressão. Usei o pouco resíduo visual que me restava para continuar fotografando, e isso me salvou”, conta
Com o projeto Fotografia Cega, ele promove debates no Instagram, além de organizar palestras e workshops pelo Brasil: “Nas oficinas, vendamos o grupo para mostrar como enxergar com os sentidos, sem os olhos”
Conselheiro da Fundação Dorina Nowill para Cegos, João busca com seu trabalho incentivar a busca por autonomia entre pessoas com deficiência e combater o capacitismo
“Não queremos e nem precisamos daquele olhar de pena e espanto das pessoas. Já cheguei a receber esmola na rua sem pedir, apenas por ser deficiente visual”, conta. “Apoio familiar e amparo psicológico são fundamentais”
Além da fotografia esportiva, ele é especialista em retratos e já expôs até no Japão, em uma mostra em Yokohama, em 2019. Agora, ele quer lançar uma biografia e um livro em quadrinhos para crianças
“O meu papel hoje é o de militante. Levanto as bandeiras da inclusão, do acesso à educação e à dignidade”, afirma