O projeto da doutoranda
em física Carleane Patrícia
quer resgatar a contribuição
de pessoas negras nas ciências
exatas e estimular jovens
a seguirem na área

Por: Dandara Fonseca
Imagens: arquivo pessoal/ divulgação

Física Preta:
ciência e
ancestralidade

Maranhense da cidade de
Imperatriz, Carleane Patrícia
ficava encantada quando,
na infância, via seu tio
eletricista entrar em casa
com objetos quebrados e
sair com eles funcionando

“Achava que tinha algo
mágico no quarto dele.
Comecei a ler os livros
que ele tinha sobre
eletricidade e fiquei
empolgada, querendo cada
vez mais aprender e fazer
experiências”, conta

No ensino médio, quando morava
na capital São Luís, Carleane
descobriu que tudo aquilo pelo
que ela se interessava tinha
um nome: física

Ao prestar vestibular,
a maranhense não acreditou
que ia passar e sequer
olhou sua nota. Foi um
amigo que, sem ela saber,
a matriculou no curso de
física da Universidade
Federal do Maranhão

“A educação foi para
mim, e é para nós pobres,
uma das ferramentas mais
eficientes de transformação”,
diz ela, que após a
graduação foi cursar
o mestrado na Universidade
Federal de Santa Catarina

No sul do país, Carleane passou
a se questionar de forma mais
intensa sobre questões relacionadas
à raça, especialmente a falta
de referências negras nas
ciências exatas 

“Eu pensava: será que
meu povo não fez nada
esse tempo inteiro?”.
Foi lendo livros como
o “Descolonizando a
Ciência”, de Katemari
Rosa, que ela conheceu
a contribuição científica
de seus antepassados

“Foi quando me descobri
no mundo. Fiquei em
êxtase, ao mesmo tempo
que senti que roubaram
a minha história. Logo
pensei: todo mundo precisa
saber disso!”, conta

Em 2018, criou o perfil
Preto nas Exatas, desativado
por conta de ataques
racistas. Mas na pandemia,
em 2020, ela resolveu tirar
do papel um novo projeto: o
canal de YouTube e o perfil
de Instagram Fisica Preta

Além de mostrar um pouco de
suas pesquisas e o dia a dia no
laboratório, a maranhense traz
conteúdos que buscam ampliar a
representatividade das pessoas
pretas nas ciências exatas

Na série de vídeos
“Invenção de Preto”, por
exemplo, Carleane apresenta
invenções que usamos em
nosso cotidiano e não
sabemos que são feitas
por pessoas negras, como
a tecnologia 3D e o GPS

“Como os inventores
conhecidos são homens
brancos, fica posto na
nossa cabeça que tudo foi
Desenvolvido por eles”,
diz. “Pessoas pretas
fizeram trabalhos incríveis,
só foram apagadas”

Entre as mensagens que Carleane
recebe estão as de jovens negros
e periféricos que nunca pensaram
que fosse possível serem físicos
e agora têm o sonho de seguir
uma carreira na profissão

“POR ESSAS HISTÓRIAS
VOCÊ PERCEBE A NECESSIDADE
DAS PESSOAS DE SE VEREM
NA CIÊNCIA. AINDA MAIS
NAS EXATAS, QUE HOJE É
MAJORITARIAMENTE TIDA POR
HOMENS BRANCOS, HÉTEROS,
CIS, DE CLASSE MÉDIA”

Para aproximar ainda mais
os jovens, ela busca sempre
falar de forma acessível e
divertida, com exemplos do
dia a dia: “Fazer um bolo
em casa, colocar X gramas
de fermento, Y de farinha,
é física!”

Doutoranda em física,
Carleane trabalha
desenvolvendo dispositivos
de armazenamento de energia
limpa, mas seus sonhos para
o futuro não envolvem
somente a sua carreira

“Quero deixar as ciências
exatas cada vez mais
pretas. Quero empoderar
jovens que têm interesse
na área para que eles se
sintam acolhidos e a sala
de aula se torne um local
menos excludente”

Conteúdo que transforma