Com quatro templos na Rocinha, a congregação reúne jovens artistas em busca de espaço no restrito mercado de arte
Cultuar o talento, rezar por inspiração e ofertar obras de arte como dízimo são práticas comuns entre os membros da Igreja do Reino da Arte, criada por um grupo de jovens artistas na Rocinha
“Tudo é fé, tá ligado? A mesma fé que você tem e você vai se emocionar numa igreja, em qualquer outra religião, a arte é mesma coisa”, diz um dos fundadores, o artista plástico Maxwell Alexandre
“A gente começou com um templo, que era só o templo do Max, e agora já está com 4 templos na Rocinha. E é um espaço inusitado também pra ter uma coisa dessa. É um espaço que alimenta muito justamente por não ser o espaço viciado comum, nem da igreja, nem da arte”, conta Raoni Azevedo, artista plástico
“A Noiva” é a entidade cultuada pelos fiéis, que garantem ter encontrado motivação, inspiração e até presenciado milagres, como a transformação na vida de alguns de seus membros
“Um longo tempo da minha vida eu estive fazendo parte do tráfico de droga. E nisso daí vi que perdi muitos amigos meus, e o negócio ficou sério mesmo", diz Primo Cris, artista plástico
“E eu decidi parar. E ninguém queria me dar emprego porque eu já fui fichado pela polícia. E, na minha cabeça, só tinha essas armas pra fazer. Porque tipo assim, de onde eu vim, eu só via isso", conta
“Pra você fazer uma obra e levar até uma galeria é uma dificuldade, né? Então a Noiva proporciona isso: a gente fazer a nossa obra e botar ela na mídia”, completa Primo Cris
Signos tanto do universo da arte quanto do universo das igrejas inspiram os cultos da congregação
“E permita-me, por meio do meu processo, acessar o divino. Rogai por nós, aleluia, amém, à Noiva. Eu peguei uma oração, acho que peguei a oração da Nossa Senhora, ou foi de algum, e adaptei ela com os termos artísticos”, explica o artista plástico Eduardo de Barros
“Quando você coloca as duas instituições de frente, quando a gente fala que é Igreja do Reino da Arte, isso já gera uma série de questionamentos que são importantes para ambos os lados, né? A arte é muito elitista, a igreja acessa o popular muito mais fácil”, diz Raoni
Além de dar visibilidade aos artistas, os membros da Igreja do Reino da Arte se empenham em alcançar um público que normalmente não acessa galerias e exposições, questionando se a arte realmente é para todos
“Um dos cultos é a peregrinação, onde a gente sai pelas ruas, leva obras de arte e vai parando em pontos específicos e colocando como se fossem exposições temporárias muito rápidas, exposições relâmpagos. Encontrando com pessoas que, de outra forma, não estariam encontrando com aquele tipo de arte”, conta Raoni
“A oferenda, a parada, é na rua. Segunda-feira, na rua, meio-dia, a gente na rua fazendo a parada. Rio de Janeiro, sacou? Isso é o que a gente precisa fazer. O dia em que o pobre tiver acesso à arte contemporânea de verdade, aí parceiro…”, diz Maxwell