Armandinho nasceu às pressas no dia 9 de outubro de 2009. Beck fora pautado de última hora pelo Diário Catarinense, onde atuava desde 2000, para ilustrar uma reportagem sobre pais e filhos
O artista resgatou um desenho de outro trabalho de sua autoria, um livro que nunca foi publicado. Traçou uns pares de pernas altas para simbolizar os pais ao lado da curiosa criança boquiaberta
No ano seguinte, Armandinho conquistou uma coluna fixa no jornal. Para batizá-lo, foi realizado um concurso entre leitores e o nome foi escolhido pois ele estava sempre “armando” algo nas histórias
Protagonizado por um garoto de cabelos azuis, o cartum fez fama com suas tiradas infantis, mas críticas – na linha da argentina Mafalda (do cartunista Quino) e do americano Calvin (de Bill Watterson)
“Fico até envergonhado, porque eles desenham de verdade. Meu traço é tosco”, diz, timidamente, o ilustrador Alexandre Beck
O menino cresceu e rodou o país: suas tirinhas figuraram diariamente na imprensa catarinense, gaúcha, rodaram no caderno infantil da Folha de S. Paulo e viraram mais de uma dezena de livros
EM 2019, RODARAM SEUS ÚLTIMOS QUADRINHOS NOS JORNAIS DE SANTa CATARINA.
“Não foi surpresa o fim, justificado por reestruturação da empresa. Surpresa foi ter acontecido logo depois de um grande embate”
O embate nasceu de uma conversa entre Armandinho e seu amigo negro Camilo, diante dos coturnos de um adulto, que provocou reações de militares ao ser publicada, no dia dos 181 anos da Brigada Militar
“Um puta azar. Eles acharam que eu estava provocando por causa do aniversário da brigada, mas não estava. E se estivesse?”, diz
“Ouvi jovens doutores negros contando que, se andar de chinelo na rua, policiais param para revistá-los. Se andar à noite de carro, param na blitz. Por quê?”, questiona Beck
“Ouvir outras realidades é oportunidade de reconhecer nossos próprios privilégios. Eu me sinto nessa pele de criança, aprendendo as diferenças”, diz. “A gente precisa sair da zona de conforto”
“Nos primeiros dias, estava com medo de sair na rua, pelo tom agressivo e pela avalanche de mensagens. Senti o que é ter medo da polícia”
Na contramão da violência, passou a receber mensagens de apoio. “Senti pulsante o significado de ‘resistência’ e ‘ninguém solta a mão de ninguém’”, postou Beck no Facebook, onde tem um milhão de seguidores
“Armandinho, o menino ingênuo, tornou-se ameaça para os homens de farda. O pai de Armandinho não irá parar de desenhar, nem o menino vai se calar”, tuitou a antropóloga Debora Diniz
Nem Armandinho nem Beck se calaram. A tirinha que enfureceu a Brigada Militar foi licenciada para uma editora de materiais didáticos e suas histórias continuam circulando pelo mundo
“A vida passa muito rápido. Então, a gente deve fazer dela algo que possa trazer um bem para o mundo. Fazer do mundo um lugar um pouquinho mais justo e humano. É o mínimo”, diz Beck