Viva o erro

É desumano negar o que nos humaniza: a sociedade começa a enxergar a beleza da imperfeição

por Ricardo Guimarães em

Caro Paulo,

Ser humano é errar!

Não estou brincando com as palavras. Estou desabafando e comemorando. De verdade, não acredito que errar seja um defeito que precisa ser desculpado pelo fato de sermos humanos. Ao contrário, acredito que é o erro que nos faz humanos, nos humaniza.

Porque a graça e a ventura desta vida estão justamente na nossa imperfeição em todos os sentidos. Porque no mesmo pacote em que o erro estava incluído também recebemos a compaixão e a generosidade, a compreensão e a possibilidade da correção e, consequentemente, a possibilidade da evolução; características humanizadoras de nossas relações conosco mesmos, com os outros e com o ambiente que nos acolhe.

Lembre-se do quanto nós erramos para que a humanidade evoluísse até os dias de hoje. Nós já achamos que fumar era chique, já fumamos em avião, já punimos o canhoto pelo simples fato de não ser destro, já vimos a menstruação da mulher como defeito, já achamos que a Terra era plana e que era o centro do sistema solar, já tratamos o negro como animal porque achávamos que não tinha alma, já usamos bronzeador, já dirigimos sem cinto de segurança, já jogamos lixo na rua, já exploramos os recursos naturais como se fossem infinitos.

Mas o problema não é cometer esses erros que hoje nos parecem absurdos. E sim o custo desse aprendizado e desse aperfeiçoamento, que está relacionado diretamente ao medo de reconhecer o erro. É o medo de reconhecer o erro que nos custa tanto tempo, tantas vidas e tanto sofrimento para nos corrigir.

Esse medo de reconhecer o erro é alimentado pela cultura da culpa. Repare que não incluí o perdão no pacote do erro, porque perdoar pertence ao pacote da culpa e da punição, que na minha opinião são características do desumano.

Daí o desabafo: como é desumano viver na cultura da perfeição, que nega a imperfeição que nos define como humanos! E a comemoração: como é bom ver a sociedade rever sua relação com o erro, acolhendo nossa imperfeição com naturalidade e, mais que isso, vendo beleza nessa imperfeição!

NÃO DESCULPE NOSSA FALHA
O valor do erro e da imperfeição está saindo do mundo da filosofia e das artes, está passando pelas escolas, pela grande mídia, pelo treinamento das organizações e está chegando ao nosso dia a dia.

“Desculpe a nossa falha.” Há quanto tempo você não ouve essa frase na TV Globo?

Vale estudar com atenção o conceito japonês wabi sabi, que fala da beleza das coisas imperfeitas e inacabadas, ler com prazer o pequeno The art of imperfection, de Véronique Vienne, ou mesmo refletir sobre a seção Ombusman, da Folha de S.Paulo de 7 de fevereiro, em que Carlos Eduardo Lins e Silva afirma que “errar é parte da busca pela verdade”.

Se nada disso te seduzir, curta na TV Globo as novelas do Manoel Carlos, que não divide a humanidade em mocinhos e vilões.

Viva o erro!

O abrasso, ops, abraço, do amigo,

Ricardo.

 


*Ricardo Guimarães, 60, é presidente da Thymus Branding. Seu e-mail é rguimaraes@trip.com.br e seu twitter é twitter.com/ricardo_thymus

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