Very important pai de santo

Arthur Veríssimo entra na alta roda do candomblé e visita o badalado Márcio de Iansã

por Arthur Veríssimo em

Nosso repórter excepcional entra na alta roda das rodas de candomblé e visita Márcio de Iansã, o improvável e badalado babalorixá dos ricos e poderosos
 

Passei a noite sonhando com orixás e figuras esotéricas (Leila Diniz, Jimmy Page, Serguei, Osho, Houdini, Keroauc, Blavatsky, Sabotage, Jung, Amma) conversando comigo. Balada fortíssima. O dia amanhece e desperto. Após minha prática de ioga e um lauto café da manhã, meus pensamentos saltitam como frijoles mexicanos. O que estaria madame Blavatsky sussurrando entre o Sabotage e o Jimmy Page? A única cena que se encaixava era o prolongado abraço da Amma no Serguei. Dois mestres na arte de abraçar. Por sorte a conexão se estabelece quando a Mitologia dos orixás, de Reginaldo Prandi, tomba da estante. Leio algumas passagens folclóricas e pouco a pouco uma miríade de revelações vem à tona. Todos aqueles personagens e ícones do meu sonho fazem parte da minha vida e resolvo convidá-los para uma celebração especial: a inauguração do terreiro Ile Axé Oya Onira, do magnético babalorixá Márcio Donizeti Fachinetti, o Márcio d’Oya.

Sigo em direção ao terreiro na Granja Viana, região abastada da Grande São Paulo, e da rua já posso escutar o som dos atabaques. A casa do pai de santo Márcio é uma mansão descolada com piscina, quadra de esportes e uma imensidão de quartos onde os orixás estão assentados. Na garagem com diversos veículos, se destaca uma BMW X5 novinha. O salão principal é majestoso. Peças de várias etnias africanas oriundas de Nigéria, Congo, Angola, Benin, Senegal e Costa do Marfim ornamentam a morada. Junto à parede o trono dourado de Iansã e no centro um totem demarca o local onde está plantado o axé.

A mansão de Pai Márcio tem piscina, quadra de esportes e uma imensidão de quartos. Na garagem, uma BMW X5

Séquito monumental

Usando roupas brancas, Márcio, babalorixá e anfitrião da casa, realiza oferendas a sua mãe, Oya (Iansã). Pelo seu corpo ele ostenta belíssimas joias – anéis, colares e braceletes que representam todo o axé que Oya proporcionou em sua vida. Os orixás, assim como os humanos, são vaidosos. Minha felicidade transborda. Márcio é um dos pais de santo mais badalados do Brasil. Tem apenas 33 anos e possui um séquito monumental de pessoas famosas e bem-sucedidas – cujos nomes ele prefere manter em sigilo.

Começa o ritual do Xirê saudando Ogum e os demais orixás. Os babalorixás Ubiacile de Ogum e Alassinangue de Oxaguiã cantam e louvam em ioruba cada um dos orixás que se manifestam. Ogum, Oxóssi, Ossaim, Omolu, Oxum e Iemanjá estão satisfeitos com a atenção dispensada a eles. Durante o Xirê, é soprado o pó do axé, para atrair paz e boas energias.

Márcio entra em transe e Iansã marca sua primeira saída rodando de branco, com um cesto repleto de acarajé na cabeça. Começava a iniciação da primeira Ekedê Nair de Oyá e do Ogan da casa, Wellington de Osoguian. Quando os atabaques são retirados de cena, um enorme banquete é montado na parte externa da propriedade. Comidas, bebidas e acepipes deliciosos são oferecidos aos convidados com a fartura que o candomblé popularizou.

Vida de pai de santo é complicada: tem que atender os clientes a todo momento, 24 horas. Depois de alguns e-mails e telefonemas consegui marcar uma data para entrevistar o carismático Márcio d’Oya, que revelou um pouco da sua vida e do incandescente candomblé. Asèsè mo juba. Oya eparrei, lo bí wá.

Como surgiu a sua mediunidade?
Aos 5 anos. Lá em Fernandópolis [interior de São Paulo]. Minha vó, que é baiana, começou a perceber. Eu vivia doente. Fiquei surdo do ouvido direito e emagreci demais. Minha mãe me levou a vários médicos. Ninguém sabia o que eu tinha. Aos 6 anos, muito magrinho, comecei a ter visões na parede. Eu deitava na cama e ela me engolia. Minha mãe começou a me levar a vários terreiros de umbanda, mesa branca, espiritismo. Ninguém conseguia detectar o que acontecia. Meu pai, que era caminhoneiro, resolveu me levar para Salvador, na Bahia.

Você foi de caminhão, de Fernandópolis a Salvador?
Isso mesmo. Papai me levou a um terreiro e indicaram que eu tinha que ser iniciado. E lá foi feito tudo. O santo estava me cobrando de uma forma muito intensa e eu não suportava, era muito novo. Voltei para Fernandópolis sem entender nada.

Ao longo dos anos aconteceram outros piripaques?
Nadinha. Voltou dos 13 pra 14 anos. Aconteceu um fato estranhíssimo. Estava esperando meu padrasto em um trevo na estrada. Quando sentei não vi mais nada. De Fernandópolis fui parar em Jales. Andei 30 km. Não me lembro de nada. Acordei no outro dia, sete da manhã, com um taxista me chamando perto da linha do trem. Voltei pra casa de minha mãe e comecei a passar muito mal. Essas energias começaram a me catar novamente.

Como assim?
Tinha visão de divindades, espíritos. Escutava passos atrás de mim. Voltei ao mesmo processo de criança. Ia a todos os terreiros de umbanda na cidade. As pessoas me olhavam e ficavam com medo de mim. Não queriam pôr a mão na minha cabeça. “Lá vem aquele perturbado”, diziam. Aos 15 anos incorporei a primeira entidade. Esse espírito disse que ia me ajudar. Minha família vivia muito mal financeiramente. Falou pra minha mãe: “Agora eu vou cuidar do seu filho e a vida de vocês vai mudar”.

Virou o médium do bairro?
É. Com 17 anos fui pra Matão, atrás do meu tio que tinha um centro de umbanda. Cheguei lá, aluguei uma casa e abri meu primeiro centro. Cheguei a atender 100, 200 pessoas por dia. Realizei todas as obrigações atrasadas e me iniciei no candomblé. De Márcio Donizete passei a ser Márcio de Iansã. Tinha 19 anos.

“Existe preconceito velado [contra o candomblé], mas está mais articulado, estão aceitando... diria que hoje tá meio na moda”

Quando a coisa deslanchou mesmo e você se tornou o guia espiritual de tanta gente importante?

Quando abri uma casa em Uberlândia, repentinamente Iansã me pegou e disse que eu fosse à Bahia. Simplesmente isso. E que, quando eu chegasse a Salvador, jogasse rosas pra Iemanjá. Fui ao Rio Vermelho de táxi, pedi pro taxista aguardar. Fui jogar rosas e perfume pra Iemanjá, e começou a cair uma chuva. Entrei no táxi e vi uma mulher na porta da igreja. Muito bem vestida, toda poderosa. Ofereci uma carona e ela estava hospedada no mesmo hotel que eu. Quando descobriu que eu era pai de santo ela ficou louca, querendo que eu jogasse búzios. Essa mulher me disse que, no mesmo dia que Iansã tinha me tomado em Uberlândia, um astrólogo a havia orientado para ir a Salvador porque encontraria a cura da sua doença. Magia pura. Após o jogo de búzios, ela emocionada me falou que, se eu a curasse, iria me apresentar uma pessoa que colocaria o mundo aos meus pés. E foi o que aconteceu. Seu câncer foi curado. Conheci a pessoa, e essa criatura começou a me indicar pessoas de São Paulo, Rio de Janeiro e outros países.

Você tinha quantos anos?
Tinha 26 anos. Foi quando comecei a atender empresários, industriais, artistas, publicitários, banqueiros, políticos, fazendeiros e grandes fortunas.

Você começou a ter todos esses clientes sofisticados. Quais os pedidos e soluções que as pessoas procuram?
Todos que você pensar. Quanto mais dinheiro, mais problemas. São pessoas que precisam de uma palavra, uma solução que o dinheiro não traz.

Você atende pessoas de outros credos?
Atendo católicos, budistas, evangélicos, judeus, islâmicos e ateus.

Tem que conhecer a psique humana.
Certeza. Eu sou um grande psicólogo. Inclusive vários psicólogos vão se consultar, e a gente passa a ser psicólogo dos psicólogos.

Por que existe essa lenda de que pai e mãe de santo precisam ser humildes? O que não é teu caso, né?
Não é o meu caso. Eu acredito que isso é uma questão de energia. Cada um com a sua energia, cada um com a sua missão, entendeu? Como vou te citar: há grandes catedrais e grandes igrejinhas, né? É uma questão de energia, uma questão de axé.

Você é um cara jovem, branco.
A maioria espera ser atendida por uma mãe de santo afrodescendente. Alguns anos atrás as pessoas chegavam e falavam: é você? Não acreditavam, então eu tinha que dar o máximo de mim. Olhar a pessoa e ver a alma dela. Falar o que ela nem sabia dela mesma, para que ela pudesse acordar.

Preconceito?
Sim, pela idade, mas hoje não. Hoje tudo está fundamentado. As pessoas já sabem quem eu sou, de onde eu vim, os trabalhos de cura e o sucesso nas empreitadas.

Como é a eficiência dos seus trabalhos de 0 a 100%?
É 100%. Os búzios e o babalorixá têm a obrigação de distinguir quem tá falando a verdade. Se aquela pessoa realmente estiver falando a verdade e não quiser o mal de ninguém, com certeza o trabalho dela vai se realizar e ela vai ter sucesso naquilo que a gente vai fazer. Não existem sonhos no candomblé, existe pé no chão.

Como você vê as relações dos cultos afro-brasileiros, o candomblé principalmente, com o resto da sociedade brasileira?
Existe um preconceito velado, mas a coisa está bem mais articulada. As pessoas hoje estão aceitando... eu diria que hoje tá meio que na moda.

Você sai na balada, vai dançar, se divertir?
Por que não? No candomblé não tem nenhum tipo de restrição. Se você não estiver fazendo nenhum tipo de obrigação, o orixá quer que você seja feliz. Quer que você dê risada, quer que você viva. Orixá quer seus filhos felizes. Celebrando a vida. Como eles celebram.

Quais são as marcas de roupa que você mais curte?
Diesel e Prada são as minhas preferidas.

Qual a sua orientação para quem deseja conhecer essa cultura maravilhosa?
Em primeiro lugar, procurar uma boa casa, procurar saber de onde a pessoa vem, se realmente é um babalorixá, uma ialorixá, um pai, uma mãe de santo, entendeu? As casas de candomblé recebem você muito bem.

Crédito: Christian Tragni
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