Vera Barreto

Aos 72 anos, a modelo Vera Barreto tira a roupa e diz que está no auge

por Kátia Lessa em

Na calçada em frente ao prédio onde mora, em uma rua qualquer do centro de São Paulo, ela sustenta os óculos escuros com um ar despojado, como se ainda estivesse na Ipanema que freqüentou durante os anos 60. A charmosa franjinha bem cortada que usava na época deu lugar aos fios de cabelo prateados, que, aos 72 anos, “não incomodam de jeito nenhum”. Os calcanhares descansam no mesmo nível dos dedos dos pés; em uma sandália de couro bastante larga, quase hippie. Porém, um observador mais atento logo nota a quebra dos quadris, os ombros jogados para trás e a cintura de vespa. A mesma que conquistou boa parte dos marmanjos mais interessantes e milionários da Paris daquela época. É ela, Vera.

Vera Barreto Leite, ou Vera Valdez, como ficou conhecida, viu os estudantes incendiarem a capital francesa em maio de 68 do alto dos escarpins mais elegantes da história da moda. Foi a Gisele Bündchen dos anos 50 e 60. A queridinha de Gabrielle Chanel. Uma diva.

Filha de uma “feminista, separada, atriz, muito à frente de seu tempo”, Vera sofreu o preconceito da “sociedade careta” desde pequena. “Achavam que eu era uma influência terrível!”, diverte-se. Foi expulsa de colégios católicos diversas vezes por usar batom vermelho ou tomar banho sem camisola. Morou em Portugal, onde também não se adaptou ao rigor escolar, e em 1953, quando completou 16 anos, mudou-se para a França com a mãe, que trabalhava na embaixada brasileira. Foi então que, durante um jantar, um senhor sofisticado perguntou se a menina magrela era manequim. “Eu não tinha nem idéia do que era aquilo. Minha mãe teve que pegar uma revista para explicar. Olhei a foto, achei um escândalo e resolvi que queria ser aquilo”, lembra.

A carreira não demorou a engatar. Conhecidos de amigos conseguiram vaga em um teste para desfiles da estilista Elsa Schiaparelli. “O meu primeiro foi para as princesinhas da Inglaterra”, ironiza encenando frescurinhas com as mãos. Depois disso não parou mais. Virou modelo da Maison Dior, quando Saint Laurent era um mero assistente. “Muito elegante, mas tímido. Sempre foi esquisitinho, né?”, sugere desbocada. Pouco depois, conheceu a mulher que revolucionou o guarda-roupa feminino. “Quando Chanel me viu pela primeira vez, eu usava um casaquinho vermelho, com botões dourados. Ela ficou horrorizada: ‘Quelle horreur. jamais le rouge!’. Depois disso, nunca mais uma coleção da marca deixou de ter uma peça da cor. No fundo ela gostava das minhas estripulias. Era uma mulher fabulosa”, conta.

SAVOIR-VIVRE
Vera viveu de tudo. Muito. Ganhou e perdeu dinheiro, homens e amigos com intensidade frenética, meio sem perceber. “Na minha vida nada é planejado. As coisas simplesmente acontecem pra mim. Às vezes acho que sou meio boba, não percebo muito bem a magnitude dos acontecimentos. Acho tudo normal”, manda. “As coisas” a que ela se refere incluem, além da nata da moda, amizade com Brigitte Bardot, filmagens com diretores do gabarito de Bertolucci, romances com Ruy Guerra e com Pedro de Moraes, filho de Vinicius, com quem teve a filha Mariana, com o ator Luiz Linhares, com quem teve Paula, com o diretor Louis Malle, com o ex-primeiro-ministro francês Georges Pompidou, “um homem de grande senso de humor”, e com um certo Rothschild, herdeiro da dinastia de banqueiros britânicos, de quem ganhou jóias, apartamento e também de quem engravidou e abortou. “Não estava nem aí para o dinheiro dele. Minha filha brinca que não se conforma de eu ter feito esse aborto, que eu poderia estar bem.”, insinua entre gargalhadas.

Porém, nem só de glamour viveu a primeira grande top do Brasil. Em uma das voltas ao país, para onde se mudou temporariamente após conselho do amigo e lenda da psicanálise Jacques Lacan – que diagnosticou dificuldades no aprendizado da filha –, encarou o inferno. No aeroporto, foi pega com um papelote de cocaína na bolsa. Em plena ditadura ficou meses presa, isolada, e sofreu todo tipo de tortura. “Nessa época eu fiquei lelé. Presa, amiga da turma, sabe como é. Com os caras não tinha brincadeira”, e corta o assunto por três vezes.

Hoje Vera se diz no auge da carreira. Durante o ensaio para a Trip, perambulava nua com a naturalidade de quem não está nem aí para as marcas da idade. “Estar nua sempre foi muito natural. Na minha casa era gente pelada pra todo lado. Eu trabalho com imagem, e envelhecer nunca foi um problema, porque personagens também ficam velhos”, explica. Com o maquiador, em vez de pedir dicas de como esconder manchas da pele, trocava idéias sobre como deixar as sobrancelhas mais masculinas para encarnar um homem. É atriz do teatro Oficina, de Zé Celso Martinez Corrêa, onde está em cartaz com a peça Bandidos, na qual interpreta um personagem masculino.

No cinema é protagonista do longa Amaxon, de José Sette, participa de Baal, de Helena Ignez, e na TV acaba de gravar participação na série Som e fúria, de Fernando Meirelles. “Atuar é meu maior barato. Ainda tenho a mesma cabeça de sempre, o problema é que, agora, às vezes o corpo pede pra maneirar”, conta com o queixo empinado, que esconde a cicatriz da única plástica que fez. “Vaidade? Tenho nada! Mas o papo eu tirei. Acho importante, papo não dá, não é mesmo?”

Crédito: Marcelo Bormac
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Imagem principal: Marcelo Bormac

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