Veleiros à vista
Trip acompanhou a passagem pelo Rio de Janeiro da Volvo Ocean Race, maior regata do mundo
Realmente são incansáveis esses velejadores. Depois de 41 dias navegando ininterruptamente da China para o Brasil, o que eles fizeram? Simples, velejaram mais. Muito mais. Talvez seja exatamente esse o pré-requisito para alguém que queira participar da Volvo Ocean Race, a regata de volta ao mundo: ser incansável. Enquanto os barcos estão na água, o trabalho da equipe é intenso, a comida escassa, o sono curto e o conforto inexistente. Mas isso não é um problema. Pelo contrário, ninguém por ali troca a experiência de passar semanas no mar por alguns dias comuns em terra.
Já são seis meses de competição na Volvo Ocean Race 2008/2009. A corrida começou em Alicante, na Espanha, em outubro do ano passado, e já passou por África do Sul, Índia, Cingapura, China e agora Brasil. E ainda tem muito chão, ou melhor, oceano, pela frente. Mais cinco países receberão os barcos até o fim da disputa em junho deste ano, na Rússia. De todas as etapas, nenhuma pode ser comparada ao percurso entre Quingdao, na China, e Rio de Janeiro. “Foi ridiculamente longo. Nós estávamos mentalmente preparados para isso, mas 41 dias dentro de um barco é um tempo muito grande. Estou orgulhoso de ter feito isso, mas não planejo fazer de novo. Não num futuro próximo, com certeza”, deixa claro o americano Ken Read, capitão da equipe Puma, atual segunda colocada – em primeiro lugar está a Ericsson 4, comandada por Torben Grael.
Sem dúvida a travessia foi intensa. Ainda assim, em cada ancorada dos veleiros, é realizada uma corrida local, a In-port Race, antes da largada para um novo destino. Para isso, cada equipe convida dois velejadores extras para integrar o time. Reinaldo Conrad, o experiente navegador de 66 anos, foi um dos escolhidos pela Puma.
Curiosamente o convite para Reinaldo surgiu graças à matéria feita pela Trip com ele em outubro do ano passado. “Preciso agradecer a vocês”, disse ao repórter. “Só estou aqui por causa daquela matéria.” Não à toa, a edição da revista era sobre longevidade – e Reinaldo planeja competir na Olimpíada de 2016, quando estará com 73 anos.
Olimpíada até vai, mas dar a volta ao mundo em uma Volvo Ocean Race não. “O desafio é muito grande, a dedicação tem que ser enorme. Precisa de uma estrutura diferenciada para aguentar essa distância”, diz Conrad. “Além do esforço físico, tem o psicológico. O grande desafio da equipe é fazer com que um não fique irritado com o outro, porque vão ter que conviver naqueles poucos metros durante muitos dias. Na regata não se descansa nunca. Não existe um momento de lazer pra relaxar. É trabalho contínuo, 24 horas, vários dias.” E aposentadoria, Reinaldo? “Não, não. Sou muito novo para isso.”
Sem glamour
Depois de Reinaldo Conrad, foi a minha vez de entrar no barco Il Mostro, a convite da equipe Puma, para participar de uma regata. Apenas algumas décadas de experiência me diferenciavam de Reinaldo, mas resolvi aceitar o convite.
Passar semanas em alto-mar morando dentro daquele barco realmente não parece confortável. São 21 m de comprimento por 6 m de largura para acomodar 11 tripulantes. Na parte interna, algumas macas penduradas na lateral do barco servem de cama. Dorme-se pouco, e se possível. De quatro em quatro horas grupos de quatro tripulantes descem para dormir – quando o barulho permite.
“É como morar dentro de uma bateria. Você ouve alguém batendo no barco o tempo inteiro”, resume Ken Read. Mas chuveiro para encarar mais de 40 dias de mar vocês têm, certo Ken? “Oh Deus, não. Nós ficamos imundos, nojentos. Somos um grupo de pessoas fedidas aprendendo a conviver uns com os outros em um espaço muito pequeno. Ou estamos com muito frio, ou com muito calor, ou muito molhados... Não é a coisa mais glamorosa do mundo, tenho certeza disso. É como viver em uma cela de cadeia.”
E para quem acha que velejar é um esporte sem emoção, Ken tem a resposta. “Emoção? É tudo sobre emoção. Dar a volta ao mundo viajando através do oceano, passando por China, Vietnã, Fiji, Índia... Esses são lugares inacreditáveis por onde eu nunca na minha vida imaginei que velejaria. Tem sido um tour fenomenal e quanto mais percorremos mais emocionante fica.”