VANGUARDA ABANDONADA

Bombação cultural sem amparo público, gera falsa idéia de melhorias na estrutura da cidade

por Alê Youssef em

São Paulo é sinônimo do caos urbano. A cidade foi construída na desordem, sem qualquer planejamento e representa todos os elementos de um sistema em que a competição pelo sucesso e a busca pelo lucro superam qualquer trabalho por um ambiente saudável de vida coletiva. Do ponto de vista da organização cultura, a cidade também é caótica e desigual. Os equipamentos públicos culturais são subutilizados, dominados pela burocracia e caretice.
Entretanto, nas entrelinhas desse quadro, nasce cresce vertiginosamente uma arte resultante da diversidade, gerada na interpretação e na resistência ao caos. Seus intérpretes fazem parte de uma geração alternativa que assimilou a linguagem da internet, dos movimentos urbanos, da moda, da publicidade e de formas não convencionais de expressão.
Em contraposição à falta de contato com os equipamentos formais de cultura e o pífio incentivo do poder público, esses personagens se organizaram em coletivos, clubes noturnos, companhias de teatro e galerias que não habitam somente o underground dos bairros mais movimentados, como também buscam outros ares, revitalizando regiões da cidade.
A recente consagração da revitalização da região do Baixo Augusta, o reconhecimento do grafitti como principal arte e cara da cidade - com a fantástica exposição da galeria Choque Cultura no MASP e o fenômeno nacional e internacional de Os Gêmeos, são exemplos de como essa geração está ditando cada vez mais os rumos da cultura paulistana e compondo a base da verdadeira vocação da cidade: a economia da criatividade.
Ao contrário desse movimento, as ações públicas se perdem em investimentos enormes e sem capilaridade social, como o que acontece na tentativa frustrada de revitalização da Cracolândia. São inúmeros os exemplos de falta de conexão com o novo e de ignorância do que realmente está movimentando a cidade. Não se dá suporte para os micro e pequenos empresários da criatividade e para os agitadores culturais. Não se apóia o dia a dia, a construção coletiva, o processo de mudar a cidade em conjunto com a população. O discurso oficial justifica-se com a Virada Cultural que é bacana, mas dura um dia e nada mais.
Fazem estardalhaço ao lançar o projeto da escola de teatro, mas a movimentação que motivou tal lançamento – os maravilhosos palcos da praça Roosevelt – permaneceram abandonados na madrugada, sem segurança e à mercê de quadrilhas. O Studio SP e outros clubes da região da Augusta também foram assaltados recentemente. Na Barra Funda, outro foco da arte de vanguarda, não há sequer iluminação na rua. Em todos os bairros de explosão da cultura alternativa da cidade, a situação é a mesma.
Lançam o programa Taxi Amigo, batem bumbo pela Lei Seca, mas não investem em transporte público de qualidade nas noites. Não se pode ir e vir na madrugada de São Paulo. Não há metro nem ônibus funcionado e quem paga o preço do descaso é o taxista e o cidadão que não dinheiro para bancar esse tipo de transporte.
A bombação cultural da cidade sem amparo público, gera situações fantasiosas de melhorias em questões estruturais da cidade, como segurança e mobilidade. O crime absurdo que aconteceu no epicentro do novo teatro paulista é uma prova disso. Os tiros em Mário Bortolotto , além de abalar todos nós militantes da causa da cultura de vanguarda, atingem também a idéia de que basta um coletivo de pessoas bem intencionadas, produtoras de cultura, para revitalizar uma cidade. É preciso o amparo do poder público. E amparo de verdade, não ações de marketing que viram slogans em campanhas eleitorais.
A vanguarda está abandonada.

 

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