Uma nova ordem
A eleição de Obama deve muito às mídias sociais como o Youtube, o Twitter e os blogs, que permitiram desmascarar rapidamente os golpes mais baixos dos adversários
Quando John Kerry concorreu à presidência contra George Bush em 2004, um dos principais fatores que levaram à sua derrota foi a televisão. Um exemplo dramático é o caso Swift Boat. Um grupo de veteranos de guerra (financiado por doadores do partido republicano) produziu uma série de comerciais de TV questionando a participação de Kerry na Guerra do Vietnã. O grupo criticava as medalhas recebidas por Kerry e afi rmava que sua participação na Guerra do Vietnã havia sido pífi a.
Foram produzidos quatro comerciais de televisão assinados pelo grupo, exibidos nos Estados em que as pesquisas mostravam que a eleição ainda não estava definida. O tiro foi fulminante. A campanha de Kerry simplesmente não teve como reagir a tempo. Semanas se passaram até que jornais como o NewYork Times conseguissem investigar e desmentir as alegações do grupo Swift Boat. Quando a verdade finalmente chegou a público, o estrago já havia sido feito, destruindo um dos pilares da campanha de John Kerry, precisamente sua reputação como herói de guerra. O caso foi tão emblemático que deu origem até mesmo a um verbo, chamado de swift boating. Nos Estados Unidos, o verbo é usado para descrever ataques sem fundamento à credibilidade de adversários políticos.
DE BAIXO PARA CIMA
Pois bem, no longínquo ano de 2004, não existia ainda o YouTube, o Twitter nem toda a estrutura de mídia colaborativa que se vê hoje. Se as novas mídias estivessem consolidadas já naquela época, o impacto do caso Swift Boat haveria sido outro. Rapidamente teriam sido divulgadas as relações dos veteranos que atacavam John Kerry com o partido republicano (que insistia em se dizer isento com relação aos ataques) e que financiadores ligados ao governo Bush doaram mais de US$ 9 milhões ao grupo. Na ausência da mídia colaborativa, o impacto desses fatos foi bem menor.
Isso mostra que a vitória de Barack Obama deve muito às mídias sociais. Durante sua campanha, foram várias as tentativas republicanas de aplicar novamente a estratégia Swift Boat. Por exemplo, explorando de forma sensacionalista sua relação com o reverendo Jeremiah Wright, insinuando que Obama era muçulmano e, no fim da campanha, afirmando que ele compactuava com terroristas. Em cada um desses ataques, a resposta democrata veio de forma rápida e inovadora. E, para isso, foi fundamental todo o aparato de novas mídias sociais, os inúmeros vídeos circulados no YouTube, os milhões de posts em blogs e entradas no Twitter. A estratégia era basicamente a seguinte: cada ataque sem fundamento era convertido em contra-ataque, que não só desmentia os fatos alegados, como também abalava a campanha republicana, ao desvelar os golpes baixos. Ao mesmo tempo, os eleitores começaram a investigar por conta própria Sarah Palin e a publicar o que encontravam na internet. Isso impulsionou rapidamente a idéia de que ela não estava preparada para ser vice-presidente, a partir de um consenso formado de baixo para cima.
Em tempos de mídia social, transparência torna-se um fator determinante. Quem se atém aos fatos é beneficiado. E quem ataca sem fundamento tem sua estratégia exposta com facilidade. Vai ser cada vez mais difícil que um caso como o Swift Boat aconteça novamente. As novas mídias fazem um bem enorme ao sistema político. Resta esperar que a inclusão digital e a banda larga avancem um pouco mais para que os mesmos efeitos positivos possam ser sentidos também no Brasil.
*RONALDO LEMOS, 32, é diretor do Centro de Tecnologia e Sociedade da Escola de Direito da FGV-RJ e fundador do site www.overmundo.com.br. Seu e-mail é rlemos@trip.com.br