Uma comunidade do avesso
Projeto Inside Out leva arte para as ruas e dignidade para dentro das favelas
O Inside Out é um projeto internacional que transformas mensagens de identidade pessoal em trabalhos artísticos de grande escala. Criada pelo fotógrafo e artista francês JR no final do ano passado, a ação já chegou aos EUA, Haiti, Israel, Palestina, Tunisia, México, Itália, Tailândia, Equador, Guiana, Venezuela, Paquistão e ao Brasil, com ações começando em Salvador e Belo Horizonte. No mês de setembro, o projeto que leva os rostos das comunidades carentes para se chocar com a vida das grandes cidades chega a São Paulo, capitaneado por Bruno Fernandes e Carlos A. Inada.
Os integrantes do projeto trabalham fotografando os rostos de pessoas que vivem em situações de conflito, pobreza e injustiça social. Os retratos depois são transformados em grandes lambe lambes [veja galeria], que são espalhados pelas cidades onde cada "franquia" do Inside Out se instala. Todos seguem uma cartilha de diretrizes criada pelo próprio JR, mantendo assim a identidade de seu trabalho.
Na capital paulista, o assunto e objeto de estudo do grupo é a Favela Moinho, na região central de SP. Espremida entre duas linhas de trem da CPTM em terreno invadido há muitos anos, a comunidade acabou aparecendo na mídia da pior forma possível no fim do ano passado. Em meio a uma onda de incêndios misteriosos que se alastraram por várias favelas paulistanas, centenas de barracos da comunidade queimaram na manhã do dia 22 de dezembro.
De acordo com informações oficiais, o fogo começou por volta das 10h em um galpão abandonado ao lado da favela, onde dormiam dezenas de moradores de rua. O incêndio se alastrou em questão de minutos e só foi controlado às 10h50. Pelo menos um terço dos mais de 1600 moradores ficaram desabrigados. 120 homens do Corpo de Bombeiros fizeram as operações de resgate e apenas uma pessoa morreu, com outras poucas ficando levemente feridas.
Conversamos com um dos líderes do braço paulistano da ação, Bruno Fernandes, que deu mais detalhes sobre o projeto, a favela, os planos e o uso de uma muito bem sucedida campanha de crowdfunding para viabilizar o projeto em São Paulo.
Trip: Por que a Favela Moinho foi escolhida para essa ação?
Bruno Fernandes: Nós queríamos trabalhar no centro de São Paulo. Quando decidimos começar a trabalhar na Favela Moinho, ainda nem tinha acontecido o incêndio. Então a favela nem estava tão exposta na mídia como está hoje. A localização da favela era ideal para nosso projeto, já que está entre duas linhas de trem bem próximas da região central da cidade.
Como a ideia foi recebida pelos moradores da favela?
O pessoal da comunidade, diferente do que acontece em outras favelas onde trabalhei, é menos organizado socialmente, podemos dizer. O clima ali é um pouco de cada um por si, o que não ocorre em outros lugares similares. Mas isso tem a ver com como o lugar foi construído. Ali é meio que um lugar de passagem. Ninguém que se estabeleceu ali tem esperança de que o governo possa liberar o terreno para eles. Dali é para sair para outro lugar. Então isso pode ter deixado a comunidade com essa cara bem específica.
Isso tornou mais complicada a comunicação?
No começo foi difícil. Nós chegamos e conseguimos o contato com duas lideranças lá de dentro. Ali a gente viu que, apesar de existirem essas pequenas lideranças, o apoio interno da comunidade é bem pequeno. Mas através dessas duas pessoas nós conseguimos apresentar o projeto e mostrar nossa bandeira. Eles gostaram da ideia e entendem nosso objetivo. Eles sabem que quanto mais se falar do Moinho, mais vai ser difícil deles serem despejados a qualquer hora do dia ou da noite. Nossa ideia tem a ver com isso. Quanto mais luz levarmos para o descaso, menos coisas ruins podem acontecer lá dentro. Eles tem muito interesse em qualquer tipo de projeto como esse.
As regras do Inside Out proíbem qualquer tipo de associação do projeto a empresas ou marcas. Por quê?
O projeto é praticamente uma franquia internacional. Ele tem seus padrões para poder ser facilmente reproduzido no mundo inteiro com a mesma pegada, a mesma assinatura. As marcas são barradas porque o projeto foi construído de pessoas para pessoas. Se uma marca entra ela acaba desfigurando o caráter da ação. Então essa regra vem desde o começo
Isso dificultou a produção dessa ação em especial?
Não. Até porque esse projeto não pede tanto patrocínio assim. Não tem nada de estrondoso nele. É coisa de R$ 10 mil, que é dinheiro de pinga perto de qualquer projeto artístico que tem por aí. Então não dificultou em nada.
Como foi o projeto de crowdfunding? Como vocês viram a participação do público?
Esse ritmo do crowdfunding não é nenhuma novidade. Sabíamos que seria assim. Nós não vimos a boa participação do público como uma surpresa. Foi algo que a gente já esperava.
"A grande sacada do projeto é fazer com que os próprios moradores se reconheçam como pessoas e indivíduos"
Agora que a meta financeira foi atingida, quando começará a colagem dos cartazes?
Temos a previsão de que em meados de setembro já começaremos a colar os cartazes. As fotos estão indo para Nova York para serem impressas no estúdio do J.R. Mas ainda estamos definindo o plano de ação para saber onde vamos colar essas imagens. O tamanho de cada uma vai depender de onde ela será colada. No próximo mês vamos levantar esses dados para que em setembro possamos começar
Onde serão feitas as colagens?
A ideia é que a maioria das fotos seja colocada dentro da comunidade do Moinho. Não é só chegar lá, fotografar e tirar as imagens de lá. A grande sacada do projeto é fazer com que os próprios moradores se reconheçam como pessoas e indivíduos. Então a gente quer devolver esse trabalho para eles, portanto a maioria do material será colado por lá mesmo. O resto ainda será discutido. Claro que gostaríamos de colocar em lugares de grande circulação como a Luz e a Paulista e no Centro, porque essa é a outra parte do trabalho: o diálogo entre a sociedade e a comunidade.
O que fazer para levar outros projetos como esse para mais regiões carentes?
Não precisa de muito. Só é preciso ter vontade. Claro que projetos como esse exigem muita dedicação, mas não é nada fora do humanamente possível. Qualquer grupo ou indivíduo que tem interesse em se articular, consegue fazer. Não tem segredo nem maestria nisso. Não é um modelo complicado de executar. É mais vontade do que qualquer outra coisa.
Vai lá: www.insideoutproject.net