Tudo, menos água com açúcar
Cineasta Dennison Ramalho fala sobre seus filmes e o trabalho com Zé do Caixão
“Esses filmes me agridem!” Qualquer leitor desavisado pensaria que, provavelmente, esta frase se refere a longas violentos, cheios de sangue e mortes. Mas para o diretor de filmes de horror Dennison Ramalho, o que o agride mesmo são as comédias românticas, bobinhas e água com açúcar.
Dono de um estilo sangrento, o cineasta gaúcho mostrou-se bem humorado e tranquilo em sua conversa com o site da Trip. Com três curtas como diretor e diversos trabalhos como roteirista e assistente de direção, Dennison lançou seu terceiro curta-metragem, Ninjas, no ano passado e vem colecionando prêmios em festivais de cinema internacionais.
Atualmente morando em Nova Iorque, onde estuda cinema na Universidade de Columbia, o diretor falou sobre seus novos projetos, suas preferências cinematográficas e da relação com José Mojica Marins, ou Zé do Caixão, como é mais conhecido.
Você adaptou uma música de Vicente Celestino para criar o curta Amor Só de Mãe e usou um conto Um Bom Policial, do Marco de Castro como base para o filme Ninjas. Você prefere trabalhar com suas próprias histórias ou utilizar outras fontes na criação dos filmes?
Eu tenho muita vontade e tenho projetos de fazer histórias minhas. Mas para o momento de vida e necessidades que eu tinha nestes tempos, a utilização dessas fontes foi muito boa. Essas histórias me foram disponibilizadas tanto pelos editores da música do Vicente Celestino como pelo Marcão de Castro, que é meu amigo.
Na escolha do conto, principalmente, foi uma vontade minha de cruzar duas vertentes do gênero terror, de duas formas pessoais, o cinema a a literatura com o intuito de valorizar o filme. Para uma coisa valorizar a outra. Assim, as pessoas podem ver que não existe só o cinema de horror brasileiro, que é muito obscuro, mas também existe literatura de terror.
A produção de filmes de gênero (principalmente terror) no Brasil é muito pequena. Quais são as dificuldades para quem deseja fazer cinema de gênero?
A maior dificuldade de qualquer cineasta, em qualquer gênero: encontrar financiamento. Outra é que não existe uma produção privada de cinema no Brasil. Toda produção passa pela lei de incentivo ou pelo da Ancine.
Aliás, não tenho do que reclamar. O governo é bem legal. Se você é do ramo de verdade, se você é cineasta, você consegue fazer isso transparecer nos seus projetos e as pessoas levam fé e levantam uma grana para filmar um curta-metragem. No caso do longa, é mais difícil. É uma briga de foice com todos os outros cineastas brasileiros. Além dessas, existe uma dificuldade intrínseca ao gênero terror.
Qualquer cineasta, de qualquer gênero, também precisa de dinheiro privado. E ninguém na iniciativa privada tem a vontade de associar seu nome e sua marca a um projeto de um filme de horror. É uma coisa que não pega bem institucionalmente. O terror é um gênero meio maldito.
Nós e o cinema pornográfico estamos sempre sob um olhar suspeito (risos). As sensações que um filme de terror causa nas pessoas não são as mais confortáveis. Acho isso uma pena. Pois o cinema de horror tem um contrapeso muito positivo, por ser um gênero muito estimulante intelectualmente.
"O terror é um gênero meio maldito. Nós e o cinema pornográfico estamos sempre sob um olhar suspeito"
Mesmo com esse desafio de fazer filmes de horror no Brasil, com uma cara única e que não seja folclórica, tipo mula sem cabeça, conseguimos fazer filmes respeitados mundialmente. Com o Ninjas, só no último mês ganhei quatro prêmios de melhor curta em quatro países diferentes.
No cenário de curta metragem, o filme está fazendo bonito, ganhando respeito e ótimas críticas, mas mesmo assim, quando chega a hora de trazer esse reconhecimento e essa reputação de volta pro Brasil para ir pro longa-metragem, que é que vai para o cinema e o que as pessoas vão assistir, não conseguimos viabilizar o recurso justamente pela suspeita com o cinema de terror.
Uma coisa do tipo 'o que vai ser da minha marca se eu associá-la a um filme de terror?' Por isso, talvez a saída seja sair do Brasil.
A que você atribui a associação errônea do conceito trash a alguns filmes de terror? O que você considera um filme trash?
Essa denominação não serve aos meus filmes e caiu em desuso faz tempo. É um rótulo utilizado no início dos anos 90. Ele se refere a um certo tipo de cinema assistido e apreciado pela galera que se reunia para assistir um filme de terror vagabundo, estilo drive-in dos anos 60 e falavam 'assistimos a um filme trash'.
Para mim é fácil repudiar esse rótulo. Meus filmes não são assim. Isso é uma coisa brasileira. Fora do Brasil ninguém sabe o que é isso. Foi uma moda também de jornalistas nos anos 90. Não tenho como falar de cinema trash porque eu não faço cinema trash.
Além do Zé do Caixão e do Ed Wood, não posso mais dizer quem faz este tipo de filme. Se meu filme fosse realmente trash ele não iria estar circulando pelos festivais em que está agora e ganhando os prêmios que ganhou até agora. Se filmes trash conseguem construir essa trajetória, então beleza.
Como foi trabalhar como assistente de direção e roteirista no último filme do José Mojica Marins?
Foi complicado. Não a minha relação com ele, o Mojica é um cavalheiro. Ele se dá bem com todo mundo. Mas a experiência foi complicada. Nós tivemos um problema sério. O Jece Valadão morreu no meio das filmagens. Ele ficou doente, era de idade e andava cansado também de outros trabalhos.
No meio de uma filmagem morrer um dos atores principais, foi um pesadelo. Ter que reconstruir, fazer uma cirurgia no filme enquanto ele está sendo filmado... Como não tínhamos como refilmar, mudamos bastante a história. Foi como na novela quando morre um ator. Enfim, foi uma experiência muito difícil.
O filmes do Zé do Caixão influenciam em seu trabalho?
Eu e o Mojica temos a mesma vontade de ver o cinema de horror no Brasil crescer. No Paquistão eles fazem cinema de horror, na Argentina, na Colômbia, no Japão, na China. O que a gente têm em comum tem mais relação com isso, com a vontade de fazer esses filmes acontecerem no Brasil e menos no sentido no nossos filmes conversarem, terem uma relação estética. Mas o Mojica é como se fosse o meu pai no cinema.
É um cara que me serviu de exemplo, eu tinha como uma ambição pessoal trabalhar com ele. Felizmente foi algo que eu consegui realizar e aprendi muito. O Mojica é um dos maiores cineastas da história do cine brasileiro. Quantos cineastas brasileiros podem dizer que dirigiram 32 longas metragens? Ele pagava o próximo filme com a bilheteria do anterior.
Gosto muito dos filmes dele, profundamente. Sou fã mesmo. Só que o cinema dele pertenceu a um tempo e um a Brasil diferentes. É uma outra geração, os filmes dele atualmente têm algumas características que não conversam com o cinema contemporâneo.
Como autor, acho que ele é bem contemporâneo, mas o trabalho dele tem algumas características dos anos 60, já os meus filmes se relacionam mais como o cinema de terror que é feito hoje em dia.
Atualmente você estuda cinema em Nova Iorque. Quais são as principais diferenças entre o trabalho nos Estados Unidos e no Brasil?
Estou estudando nos Estados Unidos e trabalhando em produções da escola. Não posso dizer como é o trabalho na indústria americana. No momento, estou abrindo portas para fazer meu primeiro filme, que é uma coprodução entre os Estados Unidos e o Brasil.
É um projeto que já está em desenvolvimento há seis anos e agora nós conseguimos um produtor executivo que é um mestre do terror no Estados Unidos, o John Carpenter. Ele dirigiu Halloween.
Quais são seus próximos projetos? Você pretende dirigir um longa?
Tenho dois projetos de longa. Este primeiro, uma coprodução entre Brasil, Estados Unidos e Suíça, se chama The Hell Within. Se trata de um longa falado em inglês e com elenco americano. Nós queremos filmá-lo um terço em Nova Iorque e dois terços na fronteira do Brasil com a Bolívia, quase na Amazônia.
O outro projeto é uma produção brasileira, chamada Os Três Cortes. É um filme sobre magia negra e sacrifícios humanos. Estou encaminhando os dois ao mesmo tempo, mas acredito que o The Hell Within vá acontecer primeiro.
Na produção recente de terror quais filmes você destacaria? E em outros gêneros?
Ando muito perturbado porque não ando conseguindo me identificar com o cinema de horror que é produzido atualmente, principalmente o cinema americano de horror. Estou achando os filmes muito ruins. No início do ano 2000, 2001 começou uma onda de remakes de filmes antigos de terror, que normalmente são muito melhores que as refilmagens.
Todo mundo achou que seria uma coisa passageira, mas não acaba nunca. Mas posso destacar três: O japonês Takashi Miiike, um longa francês chamado Martyrs, dirigido pelo Pascal Laugier e o cinema espanhol recente, destacando o Nacho Cerdà, que dirigiu The Abandoned.
Também vejo muitos filmes de outros gêneros, não só porque eu gosto, mas porque sou um estudioso de filmes. Gosto do Werner Herzog, do Scorsese, da Lucrécia Martel e do Pablo Trapero. Tem uma onda também de thrillers coreanos que eu acho que é o melhor cinema que está sendo feito no mundo atualmente. Os filmes policiais coreanos estão ótimos.
É possível encontrar Dennison Ramalho assistindo a uma comédia romântica no cinema?
Nunca! Nem com receita médica. O último que eu assisti faz uns oito meses, com a minha mulher, mas eu assumo que estou muito fora de forma pra isso. Esses filmes me agridem! (risos)
* É possível assistir ao curta Amor Só de Mãe no site Porta Curtas