Assim como leitura não significa mais ler livros apenas, trabalho também não significa mais o escritório, a fábrica, com horários e obrigatoriedades. Leitura é a visão que temos de tudo o que nos cerca. Trabalho é o fazer, a aplicação de forças coordenadas em determinado sentido. Aprendi a valorizar trabalho na prisão. Por lá, trabalho tem outro sentido; aquele de conquistar espaços. Trabalho abre caminhos e segura a cabeça nos piores momentos.
Sempre houve em mim o sentimento de que enquanto me mantivesse em movimento, tudo estaria sob controle. Fiz de tudo para trabalhar; inventei trabalho onde não havia. Lutei insanamente para fazer frente à estagnação e alienação que se vive nas prisões. Trabalho para mim era uma benção.
As pessoas sensatas se adaptam às suas posições no mundo, transformam e fazem o mundo andar. Para estes, viver é trabalho. Herbert Marcuse afirmava que: “O trabalho não dignifica o homem, antes danifica.” Posso até concordar que determinados tipos de trabalho nos estupidificam. Mas alguém tem que apertar parafusos, bater a prensa, soldar pecinhas, tirar cavacos e tiriricas. Pelo menos até quando a automação não chegar. O mundo funciona em rede.
Do que apreendi, trabalho continua ser uma das funções mais importantes para a vida humana. De todos os medos das pessoas, o maior, atualmente, é o desemprego. Claro; todos temem a violência. Mas, na sociedade contemporânea, o desemprego é uma das violência mais brutais. Gonzaguinha dizia que: “...vida é trabalho/ e sem o seu trabalho/ o homem não tem honra/ sem a sua honra se morre/ se mata/ não dá para ser feliz/ não dá pra ser feliz...” É nesse sentido que aprendi a encarar trabalho; como vida. A recíproca confirma a verdade; a vida também é trabalho.
Cientistas sociais afirmam que o homem diminuirá o seu tempo de trabalho. Com os avanços da automação, da robótica e da computação, a jornada de trabalho diminuirá naturalmente. Então o homem terá mais tempo para aprendizados, lazer, reflexão e para si mesmo. Saberemos o que fazer com esse tempo que nos sobrará? É só ver o que faz a maioria dos aposentados (lotam salas de bingo) para perceber. Aqueles que se “livram” do trabalho, geralmente perdem até a motivação existencial. Claro, é muito legal “vagabundear”, mas ter documento não garante identidade; somente o trabalho nos identifica.
O que mais me agredia na prisão era a falta do que fazer. Sou alguém que necessita fazer qualquer coisa. Trabalhei durante todos os meus mais de 30 anos de prisão. Na maioria das vezes, sem ganhar nada, além da identidade. Ficar sem trabalho na prisão para mim era castigo. Alias, na prisão, trabalhar é privilégio. São poucos postos de trabalho e, obvio, vão para os que estiverem mais espertos. Trabalho, na prisão, é prêmio.
Amigos me aconselham a trabalhar fixo, com salário mensal. Como escritor, mesmo tendo cinco livros publicados e mais três para publicar, peça captando recursos, coluna na Trip, blog no site da revista, júri de concursos literários, textos que sou contratado ou atiro de free lancer, palestras, venda de livros e outras atividades no campo, ainda passo apertadíssimo. Consideram que tenho talento e para não matar o escritor, creem que devo encontrar outro meio de vida. Escrever não garante o sustento do meu povo.
Meu trabalho é o dom da minha vida. Escrevendo é o único momento em que me sinto inteiro e a angústia cede espaço a uma alegria que me faz bem demais. Escrevendo eu me vejo. Sinto-me vivendo na ponta de meus dedos, nem sexo é tão bom. Escrever nas horas vagas não me será suficiente. O que fazer? Li na parede do pátio de recreação de uma prisão: “Não tente fazer o que só os fortes conseguem: vencer.” Não há alternativa, darei um jeito, farei alguma coisa, acho que só me resta vencer.
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