Todo ouvidos

por Sabrina Duran em

Há quatro anos ele perscruta a vida alheia. E ganha pra isso. Para cada minuto de vida que ouve, Jorge embolsa 300 pesos (quase 3 reais). Os 6 celulares que ele ostenta presos ao corpo por uma corrente são 6 passes legítimos que lhe abrem as portas para a vida de anônimos - e ninguém reclama de sua bisbilhotice. O ambulante Jorge aluga seus celulares aos transeuntes de uma rua movimentada no centro de Bogotá. Os clientes podem fazer ou receber chamadas. Jorge, em mais de 1300 dias de profissão, já ouviu gente alegrar-se, chorar de tristeza, namorar, romper laços, gritar e ser ameno. Mas o que ele mais ouve são filhos dando notícias aos pais e estes ligando num dos 6 telefones para pedir notícias aos seus filhos - quem liga nos celulares deve antes marcar um horário com seu interlocutor, que fica ao lado do ambulante para receber a chamada. Jorge é todo ouvidos. Sua única fala é monotônica e dissilábica: llamar, llamar, ele repete a cada 15 segundos, convocando o povo a utilizar seus serviços (llamar = ligar). O que falta em palavras ao discurso de Jorge sobra em histórias que ele acumula já sem sentir ou registrar. Sorte dos que usam seus celulares: a privacidade alheia está protegida pelo embotamento do ambulante.


Todo oídos

Hace cuatro años él escruta la vida ajena. Y gana para eso. Para cada minuto de vida que oye, Jorge embolsa 300 pesos (casi 3 reales). Los 6 celulares que él ostenta prendidos al cuerpo por una corriente son 6 pases legítimos que le abren las puertas a la vida de anónimos  - y nadie reclama de su fisgoneo. El ambulante Jorge alquila sus celulares a los transeúntes de una calle movida en el centro de Bogotá. Los clientes pueden hacer o recibir llamadas. Jorge, en más de 1300 días de profesión, ya oyó gente alegrarse, llorar de tristeza, noviar, romper lazos, gritar y ser amenos. Pero lo que él más oye son hijos dando noticias a los padres y a estos llamando desde uno de los 6 teléfonos para pedir noticias a sus hijos - quién llama desde los celulares debe antes marcar un horario con su interlocutor, que se queda al lado del ambulante para recibir la llamada. Jorge es todo oídos. Su comunicación es  bisilábica y monótona: "llamar, llamar", repite cada 15 segundos, convocando al pueblo a utilizar sus servicios. Lo que le falta en palabras al discurso de Jorge le sobra en historias que él acumula ya sin sentir o registrar. Suerte de los que usan sus celulares: la privacidad ajena está protegida por el embotamiento del ambulante.

 

Tradução
: Carlos Paz

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