TESTAMENTO - SAUDADE - SONHO - A LUTA
Aqui colocarei algumas poesias que fui escrevendo quando ainda encarcerado. O objetivo é mostrar a evolução do personagem. Acredito seriamente no que afirma Paulo Freire: "Na medida em que o ser humano conhece os códigos de comunicação da humanidade, faz uma releitura de mundo". Primeiro é revolta crua, depois anseios, a seguir sentimentos e por fim uma releitura. Vamos aos textos:
TESTAMENTO
Aos bocados a vida foi matando
Toda luz que a generosidade construiu
Fundi, confundi e me findei
Deixo namoradas perdidas na memória
Sempre tão dolorosamente lembradas
Ternos sonhos que me cegaram
E de fonte minha alma se fez pedra
Deixo pobres amigos, frios olhos de espada
Ou trágicos punhais, láminas geladas
Onde fiz família e conheci
Um estranho mal, aquele dos abandonos cruéis
Tantas surpresas deixo-as todas
Junto com meu sangue derramado nas calçadas
Em meu grito rouco, deixo a revolta
De não ser anjo, santo ou herói para mudar
Todo mal que vejo
Deixo também a vida correr até o fim
Sem cantar ou rir
Ficam meus lábios roxos
E na tristeza de meus olhos toda doçura
De haver amado tanto a ilusão de ser amado
Não tenho um gesto, um sorriso siquer para deixar
O frio que trago dentro me corta
E a angústia vai devorando o que me resta da vontade de viver
Morro como quem se liberta.
Luiz Mendes em Fevereiro de 1988.
SONHO
antes que a luz se apague
Depois que o sol se esconder
Deverá haver alguém
Alguém de ficar
Assim como outros virão
Para que todos fiquem
E meus olhos se prolonguem
Na alegria de um sonho.
Luiz Mendes em Abril de 1989.
SAUDADE
Havia uma porta e uma grade
Uma janela e um rosto escondido
Onde tudo havia sido esquecido
Havia uma lágrima
Uma cama e o barulho amarelo do entardecer
Cortando o coração
Mordi a língua de tensão
Havia um sorriso guardado a sete chaves
Na escuridão
No canto do olho
Lá no fundo, brilhava uma esperança
Distante mas tão perto de ser feliz
Sobretudo dentro, muito dentro
Mas jamais o bastante.
Luiz Mendes em Julho de 1990.
A LUTA
Quando quis preencher de vida sua existência
O homem mirou uma árvore, imaginou-se no direito
E derrubou uma floresta
Andando, tropeçou numa pedra e na dor
Destruiu uma montanha
ao parar sentiu perfume e flor
Em sua louca ambição
Possuiu um jardim
Respirou fundo e cheio de indômita vontade
Dominou tudo a seu redor
Entusiasmado, almejou pela magestade
E vestiu-se de rei
Iludido em seu poder e vaidade, perdeu o senso
E julgou-se deus
Dentro de sua sabedoria, desprezou seu pai
E castigou seu filho
Cansado de possuir, do fundo de sua insatisfação
Quiz ser amado
Subiu em púpitos, sofismou idéias
E quis ser admirado
Então desesperado pelo vazio, sentiu-se miserável
E começou tudo de novo.
Luiz Mendes em fevereiro/1994.