Tempo para ser pai
Cada vez mais os homens estão buscando uma nova paternidade, em que cuidar não é apenas trabalhar para pagar as contas, mas sim participar de todas as etapas da criação
Felipe Teixeira Mendes era tão pequeno que nem se lembra de quando os pais se separaram. Acabou sendo criado pela mãe e, quando chegou sua hora de ter Melina, hoje com três anos, ele sabia o que não queria repetir: que sua filha crescesse sem a figura paterna. Felipe, que é administrador, fez de tudo para ficar o mais perto possível da filha, mas enfrentou alguns desafios. "Eu viajava muito na época em que ela nasceu, então, acabei não assumindo todas as responsabilidades que deveria logo nos
primeiros meses", lembra ele.
Foi a pandemia, com todos os pontos negativos que trouxe, que mudou a forma de
Felipe "paternar". Como muitas pessoas no mundo todo, ele foi obrigado a trabalhar em casa e, assim, passou a dividir os cuidados em relação à Melina com a esposa, Tônia. Tarefas como dar banho e comida, trocar de roupa, levar ao banheiro e colocar para dormir entraram na rotina de Felipe. "Agora, eu e minha filha estamos muito mais conectados, não é mais só a mamãe que ela chama."
A forma de Felipe exercer a paternidade ainda está longe de ser o comum no Brasil – segundo pesquisa de 2015 do IBGE, das 10,3 milhões de crianças brasileiras com menos de quatro anos, 8,6 milhões (83,6%) tinham uma mulher como primeira responsável. Mas o que aconteceu com o administrador é um processo sem volta, que vem ocorrendo com cada vez mais homens. Como explica o psicólogo Marcos Nascimento, pesquisador e professor do Instituto Fernandes Figueira, da Fiocruz, esses novos pais estão quebrando ciclos que vinham há gerações – do pai ausente, que se via apenas como provedor financeiro –, e percebendo a importância de participar
da criação dos filhos.
Segundo Marcos, que é especialista nos temas masculinidade e paternidade, estamos vivendo uma conquista para todos. "Para a criança, que se torna mais segura com modelos de masculinidade positivos, para as mães, que não se veem mais obrigadas a cuidar de tudo, e para os próprios homens, que passam a se cuidar mais, se preocupar mais com sua saúde e seu bem-estar", diz. Mas Marcos alerta: "É perigoso aplaudirmos esses homens; temos que entender que eles estão apenas cumprindo o papel de pais, não são heróis nem nada do tipo".
Essa nova paternidade é também o que vivem o empresário Kairon Patrick Oliveira da Silva e o gestor imobiliário Silvio Romero Bernardes Fagundes. O casal queria ser pai, mas a ideia inicial era adotar um bebê recém-nascido. A vida dos dois mudou quando foram visitar uma instituição e conheceram Enzo, então com oito anos. O garoto, que havia sido diagnosticado com 25 doenças ou transtornos – entre eles o de déficit de atenção –, já tinha sido rejeitado por duas famílias.
"Não sei o que aconteceu, mas a paternidade brotou na gente, não tinha como o Enzo não ser nosso filho", conta Kairon. Como, no início, o menino tinha dificuldade de se adaptar na escola, os pais o levaram aos melhores médicos e foi descoberto que ele não tinha nenhuma doença. "Ele só precisava de amor", diz o empresário.
A explosão desse amor se deu em uma ação de Dia dos Pais na escola de Enzo, quando Kairon e Silvio foram os pais que mais choraram. "Viajamos com ele, damos presentes, mas, ao contar o que era especial em sua vida, Enzo disse que tinha sido conhecer os avós", conta, chorando, Silvio. "Foi uma sensação de missão cumprida como pais, pois pudemos ver que o afeto da família era o mais importante para ele."
E, realmente, não são as viagens que fazem a felicidade da família. "A alegria está no dia a dia, em momentos como quando eu sento para assistir a desenhos e jogar videogame com ele ou quando Silvio o leva ao shopping, que Enzo também adora", diz Kairon. "Ser pai, para nós, é fazer as coisas juntos, estar presente, dando afeto e atenção", completa Silvio.
O mesmo acontece com o professor universitário Leandro Ferreira, pai de Benjamin, de três anos. "Estou sempre perto do meu filho e faço questão de ouvi-lo, no tempo dele e com muito carinho", diz ele.
Leandro seguia a carreira acadêmica quando Christine, hoje sua esposa, engravidou. Ao acompanhar a gestação de perto, conversando sobre como iriam criar aquela criança, acabou tão imerso no novo papel que iria desempenhar que se tornou um dos criadores do podcast Afropai, um dos primeiros voltados para a paternidade negra no país. Além de cuidar de Ben, realizando tarefas como dar banho e comida, Leandro traz referências negras para o mundo do filho, para que ele saiba que pode estar em qualquer lugar e para que não sofra situações de racismo como o pai viveu. "Quero que, quando ele tiver 50 anos, se orgulhe da criação que eu dei, com todos os erros e acertos", afirma Leandro.
O próprio professor e podcaster se lembra do pai com orgulho, mas faz uma espécie de revisão histórica. "Considero que meu pai me deu uma educação muito positiva, a melhor que ele pôde, mas aquele formato do pai financiador, com dificuldade para demonstrar afeto, não poderia mais ser aplicado no século 21", diz.
Para que essa onda de novos pais, como Leandro, Kairon, Silvio e Felipe surgisse, alguns fatores foram importantes, como destaca o psicólogo Marcos. "Embora a maioria das mulheres ainda continue sobrecarregada, algumas já conseguem dividir o trabalho com o parceiro, há políticas públicas que incentivam que os pais participem mais e empresas também são importantes", diz ele. "Embora ainda seja um movimento lento, é positivo quando empresas, por exemplo, oferecem licença-paternidade maior."
Foi exatamente de olho nessa perspectiva do novo pai que o Grupo Boticário recentemente se tornou uma das primeiras empresas no Brasil a oferecer licença de quatro meses para os pais – o benefício é concedido de forma universal, incluindo casais homoafetivos e pais de filhos não consanguíneos.
E quem vai poder aproveitar o novo período de licença é Felipe, o administrador citado no início da reportagem. Ele, que é gerente regional do Grupo Boticário, espera para outubro a chegada de Benício, seu segundo filho com Tônia. "Vou poder fazer diferente com ele e aproveitar mais, porque o tempo não volta", comemora Felipe.