Surdez coletiva
É tanta informação hoje em dia que o desafio é conseguir que ela se torne distinta
A exasperação que foi o período eleitoral deste ano no´Brasil não deixou dúvidas: tem muita gente disposta a falar, mas quase ninguém disposto a ouvir. É tanto barulho nas redes sociais, tantas ondas de informação e contrainformação, que as campanhas optaram pelo caminho fácil: subir o tom, chegando próximo da apelação.
Esse não é um fenômeno particular do Brasil. O teórico da mídia Douglas Rushkoff (autor do livro obrigatório chamado Programe ou seja programado) já vinha chamando a atenção para o fenômeno do “entupimento” da esfera pública. É tanta informação que o desafio para fazer com que uma ideia tenha destaque, seja você um marqueteiro, um acadêmico ou um político, é conseguir fazer com que ela se torne distinta da maçaroca de barulho que chega a nós todos os dias. A frase em inglês para denominar esse esforço é boa: “Rise above the clutter” (“elevar-se acima da bagunça”).
A estratégia fácil para se distinguir do barulho é justamente aumentar o volume. Ou seja, apelar. Várias empresas de mídia seguiram por esse caminho. Apostaram em manchetes e temas apelativos e abriram alas para o sensacionalismo. Pode funcionar por algum tempo. Mas, em prazo mais longo, boa parte quebra a cara. Outro caminho é a supersimplificação. Se há informação demais, a solução é encontrar o mínimo denominador comum. Tratar o consumidor de informação como se fosse criança. Esse modelo é bem-sucedido. Não é por acaso que as famosas “listas” viraram um gênero em si na internet (“37 coisas que você ainda não sabe sobre o livro 50 tons de cinza”). Ou que iPhone e iPads, produtos que simplificam nossa relação com o código de programação a ponto de infantilizá-la, sejam tão cobiçados.
Um outro modelo foi adotado na recente virada de mesa do jornal Washington Post. O diário de uma das capitais mais importantes do planeta caminhava para o buraco. Não conseguia competir com os blogs políticos de Washington (um deles, chamado justamente Político). Havia uma perda constante de talentos na redação, muitos virando freelancers de sites independentes.
HIPERTROFIA COMUNICATIVA
Até que o Washington Post foi comprado pelo dono da Amazon, Jeff Bezos. Para a surpresa geral, em vez de aproximar o jornal dos modelos de negócio da rede, Bezos investiu justamente em jornalismo tradicional: reforçou a redação, voltou a contratar. Apostou em matérias longas revelando os bastidores do poder. Com isso, o jornal passou a crescer e reconquistou, ao menos por ora, um novo momento de sucesso.
Dentre essas três estratégias para “elevar-se acima da bagunça” (apelação, supersimplificação e investimento em boa informação), as campanhas eleitorais apostaram claramente na primeira. Esse é o caminho fácil. É também medíocre. O caminho difícil leva a recompensas maiores. Isso porque reforça valores como legitimidade e credibilidade, que acabaram em segundo plano no debate eleitoral. Como teimoso que sou, acredito que o segredo para ser ouvido nesses tempos de hipertrofi a comunicativa e surdez coletiva é justamente o equilíbrio entre simplicidade e profundidade. Nos dias de hoje, esse é o caminho que leva à escuta – de forma sustentável – por muita gente.
*Ronaldo Lemos, 38, é diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITSrio.org) e apresenta o programa Navegador na Globonews. Seu Twitter é @lemos_ronaldo