Demorei para entender algumas estruturas da existência, mas quando percebi, relaxei e pude viver melhor.
Quando escrevi "Memórias de um sobrevivente", não o fiz com o objetivo de produzir um livro. Eu apenas realizava uma avaliação em minha vida. Estava em crise profunda de identidade e com dificuldades para aceitar as consequências de meus atos. Como autodidata, eu possuía um método: tudo o que aprendesse e conseguisse escrever, estava memorizado. Então fui escrevendo sobre o que conhecia de minha vida até atualizar. Depois fui ler com intenção de buscar entender o que eu havia feito de mim. E não adiantou nada porque o que eu havia escrito já sabia e saber não modificava nada.
Mas, consegui tirar duas conclusões fundamentais que deram base à continuação de meus dias. Uma delas é que eu havia passado por tantos perigos, tantas situações em que minha existência esteve por um fio, que seria impossível haver sobrevivido somente por acaso. Passei por trocentas (não há como contar quantas) rebeliões de prisões em que a PM entrava nos caçando a tiros como fôssemos ratos. Passei por três meses e meio nas mãos de uma equipe do DEIC sendo torturado quase que diariamente. Os três parceiros que estiveram comigo nessa época enlouqueceram posteriormente. Fui espancado, baleado (em três ocasiões), barbarizado e depois ainda comi o pão que o diabo amassou por mais de 30 anos nas mãos de guardas de presídio e da policia militar. E, aos 61 anos de idade, estou inteiro, otimista e cheio de vontade de viver.
Pude, nesse estudo de mim, sentir que havia uma proteção. Mesmo quando eu me jogava para trás, as oportunidades surgiam como que do nada. Algo que nunca soube o que ou como, me colocava para a frente e assim sobrevivi e estou relativamente bem.
Outra coisa é a sucessão de fracassos que foi minha vida. Nem para ser ladrão deu certo. Não consegui ficar rico, nem chegar perto e só vivi preso, como poderia ser um ladrão bem sucedido? Tudo o que tentei, fracassei fragorosamente, ficou claro nessa minha autobiografia. Mas como adoro ler autobiografia, comecei a perceber que por trás de cada homem que conseguiu ser bem sucedido, há sempre o mesmo homem que fracassou muitas vezes, errou de montão, mas não desistiu jamais e continuou lutando. Michael Jordan afirmou que errou mais de 9 mil cestas, perdeu mais de 300 jogos e jogou fora da cesta a bola final do jogo que daria vitória para sua equipe, 26 vezes. E ele é considerado o maior jogador de basquete de todos os tempos.
Os fracassos são importantes porque sedimentam e fundamentam as vitórias. Os sucessos então tornam-se inteiros, incontestáveis.
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