Sobre os Nardonis

...eles perderam aquele instante que flutua na incerteza entre o que queremos e o que somos

por Luiz Alberto Mendes em

 

Nardonis e Cia.

 

É desmoralizante observar a distância entre o que almejamos e o que fazemos; entre o que queremos ser e o que somos. Tudo o que queremos é uma sociedade sem riscos, pasteurizada e assegurada. Queremos viver em paz e sabemos até como (nossos códigos são perfeitos), mas não somos capazes. Erramos de repente. Não percebemos o que esta acontecendo e já estamos errando, precipitando, julgando e cometendo loucuras. Algumas completamente absurdas e inexplicáveis.

Eu que o diga. Paguei e pago ainda, de alguma forma, caríssimo por isso. Quando vi os primeiros movimentos da tragédia que tem nome: Nardonis, fiquei comovido. Uma garotinha linda criada com todo amor e cuidado (a classe média pode...) que de repente se quebra, como uma boneca de louça, naquele chão duro. Como sou pai, tentei imaginar, captar um pouco do tamanho que seria aquela dor para os pais. Creio que todos os pais e mães, naquele momento, perguntaram-se: e se fosse meu filho? Que dor inimaginável seria... Doía só de pensar.

Depois as dúvidas, os depoimentos, as provas, a certeza da polícia (essa boa, a investigativa) me chocaram. Mas não tão profundamente quanto a dor monstruosa, aterradora estampada no rosto daquela mãe. Não importava nem como para mim. Sabia que o que doía era não mais a garotinha, nunca mais. Essa era a dor.

Até o fim do julgamento mantive uma opinião que imaginava segura e que, de alguma forma, explicava com alguma lógica aquela loucura toda. Conheço bem menininhas dessa idade. São lindas, fofas e maravilhosas. Mas uma parte delas, além de tudo, sabe ser terrível, ferir, magoar e como estragar qualquer dia. Já vivi a mercê de uma que me fez sofrer e causou inúmeros constrangimentos. Por mais a amasse e cuidasse com todo carinho que era capaz, ela me detestava e judiava o quanto podia. Não sei se é o caso de Isabela, não a conheci.

Mas a minha suposição é de que a madrasta vinha discutindo e brigando com a menina no carro. Deve ter perdido o controle e agredido a garota. Sangrou. Houve até a cena do enforcamento que não sei se foi no carro ou no apartamento. Imaginei que o pai, ao ver a filha desmaiada pensou estivesse morta. Então, diante de fato consumado, não quis perder as duas e procurou, precipitadamente, salvar a esposa que estava viva. Não podemos esquecer que o casal tinha mais dois filhos menores. Jogar a menina pela janela seria uma tentativa de salvar a companheira e mãe de seus filhos. Provavelmente queria fazer parecer acidente. Mas as marcas do enforcamento fizeram com que inventasse um invasor no prédio. O desespero poderia ter levado o homem àquela atitude fria e calculista.

Fiquei admirado dele aquentar até o fim sem abrir o jogo. Era muito amor àquela mulher. Ele a amaria para além do fato de sabê-la assassina de sua filha. Havia romance, paixão e loucura. Por mais que se reprovasse, foi realmente uma ação inominável, mas era possível explicar.

Depois, não ficou bem claro para mim, mas parece que a menina até se segurou no beiral da janela antes de ser jogada. Não havia nenhum segredo, o julgamento foi esclarecendo aos poucos. Eles eram apenas cúmplices de um crime bárbaro, monstruoso. Não havia a mínima possibilidade de explicação para o que haviam feito.

Acho mesmo que eles perderam aquele instante que flutua na incerteza entre o que queremos e o que somos, e fizeram o que eram. E eram simples e desprezíveis assassinos de uma menininha indefesa que confiava neles. Somente isso.

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Luiz Mendes

05/04/2010.    

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