Sobre o 'Bem' e a suposta 'Guerra do Rio'

O tráfico é apenas mais uma das ilegalidades que a população do morro é obrigada a assimilar

por Luiz Alberto Mendes em

O  “tal” do Bem

 

Foi difícil para mim ao sair da prisão perceber que o que as pessoas aqui fora chamam de Bem, não era bem coisa nenhuma. Antes era fonte de desenvolvimento, além de ser principal motivação para o mal. Mesmo porque isso de mal e bem nem existe de verdade. Parcas palavras que, sem humildade, tentam inutilmente abranger conceitos infinitos.

 

Quando um garoto da periferia empunha uma arma para tomar algo que ele supõe de valor, não pensa que esta fazendo mal. Esta empreendendo e é individualista, porque visa o bem pessoal sem levar o outro em consideração.

 

Mas o individualismo, o empreendedorismo e a idéia de que a minha liberdade termina onde começa a do outro, são o que se chama de “bem” no momento atual. O pós-modernismo que domina o cenário filosófico do momento, afirma que se eu cuidar de mim eficientemente estarei cuidando do outro também. Por exemplo, se eu pagar meus impostos em dia, estarei colaborando para que o Estado tenha capital para gerir o país. Ao gerir o país, o governo estará cuidando da previdência social, saúde, educação, segurança e todos os outros quesitos que beneficiarão a todos.

 

A idéia dominante aqui fora é de que elegemos um governo para que ele governe. Não só governe, mas tome conta de tudo, desobrigando-nos. Para isso pagamos caros impostos. Idealmente essa lógica poderia até funcionar. Mas somos seres humanos lidando com seres humanos. E ai nossos eleitos nos enganam ou são impossibilitados de fazer tudo o que consideramos justo que façam.

 

O governo desgoverna e pega pesado por toda autoridade nele investida. Injustiças são cometidas e muitos se vendem para poucos que podem comprar.  A Lei, que era a justiça do “bem”, torna-se protetora dos que têm capital contra os que não têm nada e que compõem a maioria.

 

Por exemplo, não acredito que o povo dos morros “libertados” pela extraordinária “força do bem” se sinta tão livre como querem nos fazer crer. Suas casas têm sido arrombadas e vasculhadas. São enquadrados por homens nervosos enfiando fuzis embalados em suas caras (teve um fuzil apontado para sua cara?) e os revistando com toda truculência e estupidez que são capazes. Eles esquecem que aquele povo não mora ali porque quer e sim porque necessita. Estão suspeitos e a maior parte das pessoas ali é do “bem”. Trabalhadores, serviçais do pessoal do asfalto.

 

O medo dominante, com certeza, não é dos traficantes. Tenho amigos e parceiros em empreendimentos que moram em comunidades dos morros do Rio. Gosto de estar por lá com eles. As balas perdidas nunca acertam as vítimas de cima para baixo.

 

O Tráfico é apenas mais uma das muitas ilegalidades que a população do morro é obrigada a assimilar. A falta de moradia, trabalho, saúde, segurança, educação e respeito são outras, já que são garantias constitucionais. A pessoa que vende drogas não é esse ser mitico que chamam de “traficante”. É o povo dali mesmo. Todos conhecem desde criança. Muitas vezes são arrimo de família numerosa e todo mundo compreende. A maioria só esta ali por questão de sobrevivência. É só arrumar emprego para voltar à legalidade. Vender drogas, muitas vezes, é bico para sobreviver. Assim como as crianças que descem cedo para o asfalto para vender balas.

 

Não há soluções mágicas e muito menos imediatas. Mas com certeza quanto mais mergulhamos nesse maniqueísmo de bem e mal, mais distante estaremos delas. Talvez as respostas exijam de nós participações que não estamos dispostos a oferecer. O empresário repassa os impostos em seus produtos e nós consumidores é quem de fato pagamos. No mínimo deveríamos querer saber como é gasto esse dinheiro. Como as coisas chegaram onde estão? Quem são os responsáveis por isso? Gosto de História. Ela nos ensina que quem não aprende com seus erros, esta condenado a cometê-los novamente.

 

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Luiz Mendes

03/12/2010.   

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