Só a reflexão nos livra do preconceito

por Luiz Alberto Mendes em

Preconceitos

 

Já fui um filho da puta de um preconceituoso. Fui criado por um  pai orientado pela violência e estupidez. Ele odiava homossexuais, ladrões, homens de cabelo comprido e calça justa no corpo ("viados", para ele), mulher de calça comprida (minha mãe nunca pode) e tudo que fosse além de seus padrões de entendimento. Achava que educação entrava pela pele ferida. Achava correto o espancamento constante a que foi submetido na infância. Dizia-se arrependido das pancadas que a mãe lhe dera e ele desviara. Creditava, cheio de convicção, a essas porradas que não pegaram, os desvios de sua conduta pessoal (alcoolismo e agressividade exacerbada).

Homossexuais na "quebrada", só se fossem "enrustidos", porque ai daqueles que saíram do armário antes do tempo. Humilhávamos, espancávamos e colocávamos abaixo da condição humana. Ladrão então, lembro na infância que os ladrões corriam pelos telhados e o povo atrás, na rua, gritando "pega ladrão", "pega ladrão"... E eu ia junto, com um cabo de vassoura na mão, gritando: "pega, pega..." E se pegasse, eu seria um dos linchadores.

Todos nós, "moleques" (nós nunca fomos "meninos"), a qualquer vacilada, éramos barbaramente espancados por nossos pais, tios, irmãos mais velhos e até pelas mães que batiam impiedosamente. Éramos o alvo da covardia e do sadismo dos mais velhos. Os demais garotos aceitavam isso como certo, justo: ao fazer algo errado sabiam que iriam apanhar caso descobrissem. Acreditavam nos motivos dos pais para espancá-los. Eu não. Nunca aceitei ser agredido e aprendi a odiar a quem eu não pudesse revidar. A começar pelo meu pai.

Fugi de casa com 11 anos de idade e estou por minha conta até hoje. E foram as putas, os pequenos ladrões e os homossexuais que me abrigaram, alimentaram e cuidaram de mim, num primeiro momento. Aos poucos me tornei uma criatura marginalizada como eles e rapidamente todos meus preconceitos foram diluídos. Eu não acreditava e detestava tudo o que meu pai dissesse, foi até relativamente fácil.

Não me tornei um homossexual porque não tenho essa tendência; desde pequeno fui desesperado por mulheres. Sempre as achei fantásticas, maravilhosas e extremamente desejáveis. Mas fui ladrão durante boa parte de minha vida e acho que fiz quase tudo o que tem de vicioso e horrível no mundo, menos estuprar. E já fui linchado pela população; só não me mataram porque a polícia chegou a tempo de evitar.

Só uma coisa não fiz; jamais encostei a mão em um filho meu. Creio que me sentiria o ultimo dos covardes se me permitisse. E olha que teve momentos em que espancar parecia a única solução. Dei muita sorte também (sorte sim, porque merecimento não há) de ter filhos bastante razoáveis, sensatos e até certos demais.

Hoje, quando chegamos depressa demais ao que antes era desconhecido, creio que estou pronto para as novidades. Já nem reparo se o sujeito é homossexual ou não, para mim isso é bem normal, comum. Não tenho preconceito contra quem já roubou ou esteve preso porque vivi isso e sei que é bem possível que a pessoa possa se recuperar. A vida é professora eficiente.

Mas é tão fácil preconceber... Por exemplo tenho lutado muito dentro de mim para não criar aversão sistemática aos evangélicos. As posições preconceituosas, as maneiras retrógadas, o conservadorismo, os seus pastores endinheirados e escandalosos, a ingenuidade, a falta de estudo e reflexão, a bíblia como verdade incontestável, essas e outras atitudes que vão formando em mim o preconceito. Mas não aceito e discuto dentro de mim mesmo; sempre venci meus obstáculos e hei de superar mais este.

                                      **

Luiz Mendes

01/07/2013.

Arquivado em: Trip / Comportamento