Síntese do dia-a-dia

A corrida de aventura é um esporte que nos ajuda a entender a nova dinâmica social e esta época de incertezas

por Ricardo Guimarães em

Caro Paulo,

Estou passando o Carnaval em Itamambuca com a Shubi e seus amigos aventureiros, Nora, Belô e André. Eles estão me pedindo cópia da apresentação que fiz no seminário "Um dia com Ian Adamson", em dezembro de 2004. Ian é um dos mais bem-sucedidos atletas de corrida de aventura do mundo e eu, que abri o evento, sou apenas o pai da Shubi.

Nada me qualificava a fazer uma boa palestra sobre corrida de aventura a não ser a convivência com a aflição de quem tem uma pessoa querida metida nessa história. Aceitei o convite e me dediquei a estudar o fenômeno que se tornou este esporte. E parece que deu certo. O pessoal gostou das minhas conclusões e, volta e meia, recebo pedidos de cópia do que falei.

Então, como uma grande parte de nossos leitores curte corrida de aventura, peço licença para passar um resumo da palestra. Minha conclusão é que esse esporte é uma evolução do que as pessoas buscam como prática esportiva porque é uma resposta às necessidades da nossa época, isto é, o esporte de aventura faz sucesso porque capta o zeitgeist, o espírito da época.

Que espírito é esse? Explico. Primeiro, as obviedades. É um esporte global - as provas contam com equipes do mundo inteiro - e é praticado na mais intocada natureza do planeta. Só isso já justificaria sua contemporaneidade. Mas seu mérito vai além: na corrida de aventura você tem que lidar com sustentabilidade e complexidade, as duas competências mais decisivas para se fazer sucesso no mundo atual.

Qualquer outro esporte lida com superação, estratégia, disciplina, determinação, questões que são estudadas há milênios. E que vinham sendo úteis como laboratório para se aprender a viver numa sociedade em que se competia contra adversários conhecidos e facilmente controláveis. Esses esportes tradicionais eram uma boa metáfora para a dinâmica de uma sociedade simples, razoavelmente previsível. Mas o mundo ficou muito complexo e competitivo.

Na aventura é assim. Além da obrigação de ser apto em muitas modalidades ao mesmo tempo - trekking, cordas, remo, cavalo, mountain bike, orientação, caving, mergulho, canoa, vela, rafting e até pára-quedas - você precisa encarar a duração da expedição que pode ir de três a dez dias.

O fato de a prova durar muito tempo torna tudo mais complexo e exige aptidão em gestão da sustentabilidade da perfomance, que significa lidar com as relações entre os membros da equipe, com a diversidade de suas competências, cuidar de si, cuidar do outro, lidar com as adversidades do meio ambiente, além de controlar os adversários e ser melhor do que eles.

Numa corrida como essa, que dura no mínimo três dias, não existem problemas pequenos. Se você for negligente com uma bolha que surge no seu pé, com o tempo ela cresce e pode provocar a derrota da equipe. Certas virtudes como força, explosão e agressividade, que normalmente garantiriam uma vitória, na aventura precisam ser complementadas com maturidade, sabedoria e visão de longo prazo.

O mundo atual exige exatamente essa integração de virtudes para se ter sucesso. Não é por acaso que os governos falam de desenvolvimento com sustentabilidade e as empresas buscam resultados sustentáveis. É o espírito de uma época de incerteza. Quando não se tem certeza sobre o futuro, é preciso viver o presente com uma qualidade que garanta o dia seguinte, o que é diferente de viver o dia de hoje e pensar no dia seguinte apenas quando ele chegar. É isso.

A corrida de aventura é a síntese da cena que vivemos no dia-a-dia do trabalho nas cidades. Não sou atleta de aventura, então posso estar falando muita besteira. Mas curti muito a idéia de que existe um esporte novo que vai nos ajudar a entender uma sociedade nova.

Ricardo.

Créditos

Imagem principal: Marcio Simch

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