Simonal, artista sem anistia
O Baile do Simonal celebrou a obra do gênio com seus filhos, banda e convidados especiais
Ele era o que o showbiz americano chama de entreteiner: cantava, tocava, fazia piada, regia plateias enormes como um maestro comanda um coral. Suas qualidades refletiram no sucesso. O negro pobre que ralou nos bailes da vida para alcançar o estrelato, frequentou as altas rodas do país, viajou o mundo cantando, pilotou programas de TV, foi garoto propaganda de multinacionais. Durante a década de 60 e início dos 70, Simonal era tão popular que fazia show lotado no Maracanãzinho e era tão bom que dividia o palco com divas como a cantora americana Sarah Vaughan.
Mas, de repente, a casa caiu. No topo do mundo, o rei da malandragem se sentiu lesado pelo contador, que cuidava das suas finanças, e arrumou uns capangas para dar uma surra no cara. Os brucutus eram do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), orgão responsável por todas as torturas e abusos da ditadura militar. Rapidamente cresceu a desconfiança que Simonal era colaborador do regime.
O documentário “Simonal - Você não sabe o duro que dei”, lançado recentemente, mergulha fundo na história e apresenta para a nova geração esse artista fundamental da MPB. Com o filme, compreendemos o quanto o sucesso subiu à cabeça do cantor que para tentar se safar de uma ocorrência grave (a surra que mandou dar em seu contador), teve a infeliz idéia de se dizer amigo do sistema, da ditadura. Resultado: não se livrou da acusação do contador, e virou o dedo duro mais conhecido do Brasil. O artista foi pra cadeia, cumpriu pena pela agressão e ficou vinte anos no ostracismo absoluto, amargando, até o fim da vida, a desconfiança da esquerda brasileira.
Simonal era artista por vocação. Mas, a política da época e as verdades absolutas e posicionamentos radicais, foram mais fortes que seu dom de encantar as pessoas com sua arte. Não bastaram a qualidade de sua voz e seu incrível talento para superar os acontecimentos. No país em que políticos que apoiavam abertamente a ditadura exercem mandatos, são condecorados, e passeiam livremente pelos corredores do poder, o grande artista foi massacrado, mesmo depois de cumprir pena e de conseguir documentos que provavam que ele não tinha nada a ver com os militares.
Maluf, Erasmo Dias, Fleury, Sarney, ACM, e todos os delegados, torturadores e colaboradores do regime militar foram anistiados pela história. Simonal, o homem que fazia o povo inteiro cantar, não.