Sexo livre
Um casal que vive junto há 36 anos e fundou uma comunidade de amor livre fala da experiência à Trip
Há 36 anos, o psicanalista Dieter Duhm e a teóloga Sabine Lichtenfels vivem juntos, mas livres para transar com outros parceiros. Em 1978, o casal alemão fundou a comunidade Tamera, hoje sediada no Alentejo, em Portugal, onde vivem 160 pessoas adeptas do sexo livre. Os dois falaram da experiência à Trip
DIETER
Como a ideia de sexualidade livre é posta em prática em Tamera?
Dieter. Todas as pessoas na nossa comunidade, incluindo os casais estabelecidos, praticam o sexo livre. Eu pratiquei por toda a minha vida. Cedo reconheci que se não o fizesse teria de mentir, pois me sinto atraído por várias mulheres. Sempre disse isso às minhas parceiras. A maioria das pessoas está grata pela possibilidade de novos contatos sexuais. Mesmo os casados têm a possibilidade de ir para a cama com novos parceiros e falar disso sob a proteção do grupo. Este é um princípio fundamental: tornar transparentes as coisas mais importantes – sexo, dinheiro, autoridade etc.
Que dificuldades os novatos enfrentam? A maioria das pessoas deseja uma verdadeira parceria e acredita
que ela estaria associada à monogamia, e que a monogamia seria sinal de fidelidade. Não é verdade. Apenas podemos ser fiéis se nos for permitido amar outros também. Amor genuíno não se desintegra por causa de “escapadelas”, que fazem parte da natureza humana. Sexualidade livre e parceria complementam-se. Quanto mais cresce a confiança entre seres humanos, menos espaço há para o ciúme e o medo da separação.
Homens e mulheres reagem de forma diferente ao sexo livre? Geralmente os homens se sentem atraídos a dar o primeiro passo, mas temem que isso seja desafiante para suas parceiras. Mas depois também as mulheres ousam esse passo – e com tanta alegria que se torna desafiante para os parceiros. Não é a mulher, mas o homem que tende a ficar ciumento quando as velhas barreiras desmoronam. Não se trata de poligamia arbitrária, mas de um acordo mútuo sobre a base da confiança.
Como foi sua experiência pessoal? Ao longo de 36 anos, vivi e trabalhei com minha parceira Sabine Lichtenfels. Por duas vezes, ela amou outros homens. Não senti ciúme, porque também gostava desses dois homens. Sabine é uma mulher lindíssima e atraente. Seria insano ela “pertencer” a mim. Mas somos completamente fiéis um ao outro, e ficaremos juntos agora e para todo o sempre. Não é a exclusão sexual de outros que nos conduz a uma parceria duradoura, mas a verdade, a confiança, a compaixão e a solidariedade.
Uma proposta dessas pode dar certo numa cidade grande? Sim, mas é difícil. Uma metrópole envia tantos sinais insanos que o contato genuíno de pessoas verdadeiras acontece raramente. A desconfiança foi gravada nas relações humanas. A mentira e a traição tornaram-se condições de sobrevivência na civilização atual. Todos fomos forçados a mentir – no casamento, na profissão, na vida pública. Se queremos estabelecer confiança, precisamos virar do avesso todas as nossas estruturas sociais – e isso estende-se aos nossos casamentos. É a isso que chamamos de revolução.
"A desconfiança foi gravada nas relações humanas. A mentira e a traição tornaram-se condições de sobrevivência na civilização atual", Dieter Duhm
SABINE
Qual é a proporção de adeptos da monogamia e do poliamor em Tamera?
Sabine. Existem todos os tipos de relacionamento. Frequentemente os casais escolhem a monogamia por um tempo, começando depois a abrir-se para outros. Muitos descobrem que na realidade não buscavam um parceiro, querem viver em poliamor. Após alguns anos a maioria das pessoas se decide por uma parceria profunda.
Como foi sua experiência pessoal? Eu vivi numa relação aberta com Dieter por mais de 30 anos. Ambos gostamos das aventuras com outros. É maravilhoso voltar depois para casa e poder partilhar abertamente as experiências que tivemos. Isso torna a parceria mais profunda, caso não se encontre ligada com o medo da perda. A experiência tornou o nosso Eros mais rico e mais profundo. Muitas pessoas desejam esse tipo de parceria e aqui trabalhamos para torná-la possível.
Quais são as vantagens do amor livre? O Eros é anarquista na sua essência. Nenhum ser humano pode ser possuído. É devido ao nosso profundo medo da perda que queremos possuir um ser humano, mas isso não corresponde à natureza do amor e só contribui para sua destruição. O Eros necessita mover-se livremente para revelar sua essência. Se a água é bloqueada, irá provocar devastação e destruição. Mais pessoas morrem por problemas não resolvidos no amor do que em acidentes de automóvel. O abuso sexual, a violência doméstica, a mentira e a traição são consequências de um sistema de amor que não corresponde à natureza humana.
Já sentiu ciúmes de Dieter? Descobri o ciúme em mim, que acreditava já ter ultrapassado, mas não chantageei o meu parceiro com isso. Concentramo-nos juntos na questão da cura e em restabelecer a confiança. Este é um longo caminho, que nunca terminará. Todos temos nossas feridas históricas, nossos traumas.
Uma proposta de amor livre pode dar certo numa cidade grande? É uma pergunta delicada. Conheço cada vez mais casais que querem isso e certamente é possível, mas o caminho não é fácil. No movimento de 68, muitos transportavam a sexualidade livre nas suas bandeiras, sem saber como poderia funcionar. Sublinho que não se trata de aventuras rápidas, mas de construir estruturas sociais novas, onde o amor possa ser vivido sem medo. Se um casal quer abrir-se à sexualidade livre, aconselho que o faça sob acordo mútuo. Os homens têm “escapadelas” com a justificativa de que “minha mulher não compreenderia”. A consequência é o ódio e a separação. A nossa sociedade foi estabelecida de forma que impossibilita a verdade no amor. Somos todos forçados a desempenhar papéis. Creio que a comunidade é o molde que torna o caminho viável.
Vai lá: Leia o artigo de Dieter Duhm sobre amor livre: www.tamera.org/pt/pensamentos-basilares/o-que-e-amor-livre