SERRA ACIMA
Na semana passada, alguns privilegiados assistiram a um fato que reputo como divisor de águas no que diz respeito à Saúde Pública
Na semana passada, alguns privilegiados assistiram a um fato que reputo como divisor de águas no que diz respeito à Saúde Pública e, bem mais que isso, à atitude do Estado diante da sacanagem institucionalizada. Refiro-me ao ciclo de debates e seminários patrocinado pelo Ministério da Saúde, para discutir o 'Marketing do cigarro' e, simultaneamente, apresentar a campanha desenvolvida por ele, para tentar inverter os vetores galopantes das estatísticas que apontam 4 milhões de mortos por ano em conseqüência de doenças causadas diretamente pelo fumo. Saí do evento extremamente surpreso, não só pelo nível das autoridades trazidas ao Brasil, mas com o fato de que uma autoridade do governo assumiu um compromisso público, trabalhou e cumpriu. Apenas este dado já justifica o misto de surpresa e gratidão registrado no rosto de quem deixou o auditório do Centro Cultural Rebouças depois do último debate. Aumentando a lista das boas surpresas, as peças publicitárias criadas pela agência Master de Curitiba sob encomenda do Ministério de José Serra. Embasadas em pesquisa da Vox Populi que varreu o mapa atrás de adolescentes e jovens adultos fumantes ou não, o filme e as peças impressas apontam na direção do alvo mais certo: a propaganda enganosa dos cigarros. Segundo a pesquisa que orientou a campanha, e a observação de qualquer um que trabalhe com molecada, o poder de influência dos filmes alucinantes (o orçamento de apenas uma produção de campanha de 30 segundos para a televisão dos cigarros Hollywood foi de 5,5 milhões de dólares), das festas, shows, eventos, displays e anúncios impressos, é avassalador. Serra prometeu ano passado em debate num programa de tevê aberta em rede nacional que tomaria medidas concretas. Não só preparou e conseguiu aprovar a campanha, como elaborou projeto banindo absoluta e terminantemente a propaganda de cigarros da mídia. Uma atitude séria e corajosa, que o põe contra poderosas organizações de mídia, políticos influentes e uma das maiores forças do lobby do mundo, mas a favor da saúde do povo que paga seu salário, algo para que sinto dificuldade de encontrar par na parte da história do país que presenciei. Documentos secretos Durante a apresentação dos trabalhos naquele evento, uma médica brasileira que reside nos EUA e atua junto à O.M.S. apresentou estarrecedores documentos secretos garimpados por ela, durante anos, junto aos arquivos de empresas como Phillip Morris e RJ Reynolds. Trechos pinçados mostram a discussão de estratégias para 'fidelizar' consumidoras grávidas, para garantir a formação da próxima geração de clientes e a sugestão de maneiras eficazes de atuar junto a pré-adolescentes em países nos quais a lei pouco ou nada faz para impedir. Num ponto destes documentos pesquisados pela Dra. Stella Aguinaga, as empresas chamavam a atenção das subsidiárias sul-americanas para a necessidade de incentivar e patrocinar lobbies junto aos órgãos de auto-regulamentação que, segundo elas, mesmo agindo de forma discreta, dão à população a sensação de que o problema está sob controle. Resta agora a jornalistas, donos de veículos de comunicação com vergonha na cara e até a qualquer um que tenha um computador ou um telefone, começar de todas as formas a pressionar os políticos de Brasília, que já começam a surgir com as velhas e surradas reações ('Isto é a volta da censura', 'E o direito de livre comércio?' etc...) para tentar defender suas verbas de campanha e outros agrados. Se fizermos alguma coisa, vender morte como sinônimo de beleza, saúde e sucesso podem não pegar mais o seu filho.