Será que ninguém enxerga o outro?

por Luiz Alberto Mendes em

Há duas semanas atrás, de repente, os ônibus pararam. Os motoristas haviam entrado em greve. Todos nós que fomos dos bairros periféricos para a cidade, ficamos a pé para voltar para casa. E eu, moro longe. Não dava para vir a pé; chegaria no dia seguinte, morto de cansaço. Houve um momento em que pensei que os motoristas estivessem lutando contra nós, usuários de ônibus e não com as empresas. Faziam de tudo para dificultar a mobilização do cidadão. Furaram os pneus dos ônibus e com eles interditaram terminais e corredores. Os motoristas nos levaram ao desespero para pressionar o governo e este a seus patrões. Nós, milhares, senão milhões de pessoas, estávamos presos na cidade, reféns de um grupo de profissionais. Cansados de trabalhar, estressados com tantos abusos, sacrificados, desestabilizados e vagando pelas ruas da cidade sem saber como voltar para casa. Dia seguinte a mesma agonia, mas rapidamente deu-se um jeito e pudemos voltar para casa mais tranquilos. Voltamos à normalidade de ônibus lotados e os desrespeitos comuns.Mas a paz durou dias. Há semanas os metroviários já vinham anunciando que fariam greve caso os patrões não aumentassem a proposta de aumento no salário. E quinta feira, ainda não havia me recuperado da instabilidade vivida na greve dos ônibus, quando eles entraram em greve. De carro ou de ônibus o congestionamento era tamanho de nem valia a pena sair de casa. Novamente, pautado por compromissos, fui obrigado a me deslocar em meio ao caos. Depois de quase quatro horas andando metro a metro dentro do ônibus lotado, cheguei a meu destino. E para voltar? Perambulei pela cidade até que as pessoas já tivessem voltado para suas casas. Melhor olhar vitrines que ficar preso no ônibus, novamente refém de outra categoria profissional. Acertei uma reunião importante que tinha sexta, para sábado, pensando ser esperto. A greve ia continuar, mas mesmo à mercê dos metroviários, a cidade estaria mais transitável no sábado. Sexta foi mais sacrificado ainda para o povo. Choveu quase o dia todo, não tinha nem como perambular ou ir para casa a pé. Passei a noite na casa de minha sobrinha na Zona Norte da cidade para ficar mais perto e não ter erro no sábado. Ela me levaria de carro. Não podia falhar, já que havia transferido a reunião. Quando saímos de casa pela manhã, soubemos que havia uma tal "marcha para cristo". Quase todas as vias de acesso à cidade estavam interditadas. Rodamos por mais de 3 horas em trânsito pesado, tentando conseguir sair daquele cerco. Não conseguimos. Fomos obrigados a voltar para casa, novamente reféns e inconformados. Será que ninguém tem consciência dos outros nessa cidade? Depois de tanto sacrifício do povo em menos de duas semanas, interditar as vias de acesso e com a greve do metrô em pleno andamento. Muita gente trabalha aos sábados e muitos deixam seus compromissos para esse dia. Claro, sou favorável à greves. Sei que as pessoas que controlam o dinheiro em nosso país são gananciosas. Às vezes a greve é o único instrumento de pressão para fazer com que o salário não seja aviltado. Mas pela lógica, não somos nós que devemos ser pressionados e muito menos sofrer consequências da falta de diálogo de empresários, trabalhadores, religiosos e administradores públicos. A greve foi decretada abusiva, sanções financeiras foram impostas ao sindicato e quase 60 metroviários foram despedido por justa causa. Ao fim, acabaram com a greve aceitando o que os patrões haviam estabelecido. O sofrimento de 5 dias que causaram à população foi em vão.Há muita insensibilidade em tais cometimentos. Já agora não há diálogo, negociações, nem nada. As pessoas já vão para a greve direto. Dane-se o usuário. Catraca livre é o caralho! Foi só conversa fiada "pra boi dormir". E esse fechamento das vias da cidade para que um grupo religioso se manifeste? Isso parece coisa eleitoreira. Amanhã quem sabe serão os católicos, e vão fechar as vias de acesso à cidade também? Nessa sociedade descontínua e líquida que vivemos atualmente, nós, as pessoas comuns, nos tornamos reféns, massa de manobra, descartáveis e suspeitos. **Luiz Mendes10/06/2014.
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