Ser feliz ou ter razão?

Muitas vezes a mulher prefere esperar o erro masculino para se expressar sem briga

por Luiz Alberto Mendes em

Margarete e Reinaldo, casal de meia-idade, seguiam pela estrada no Gol familiar. Visitavam parentes. Diziam que se completavam. Ele, sempre afoito, falador, nervoso e correndo atrás de alguma coisa que não se sabia direito o quê. Ela, sempre tranquila e ponderada, falando pausadamente, somente quando necessário. Passava a impressão de que devia saber da alguma coisa importante sobre a vida que a gente nem desconfiava, por isso a placidez.

De repente, na estrada, uma bifurcação. Fazia algum tempo que Reinaldo não passava por ali. Como não parava muito para ver nada, ansioso que era, estava em dúvida por onde seguir. Sabendo ser a esposa melhor observadora, embora não querendo reconhecer, inquiriu:

– Querida, faz tanto tempo que não visitamos seu irmão que acho que até a estrada mudou. Parece que essa bifurcação não existia, estou na dúvida de por onde seguir. Parece que é pela esquerda, o que você acha?

– Meu bem, é pela direita. É claro que essas duas saídas já existiam. Você é que não presta atenção em nada, parece que usa viseira de cavalo; só vê na frente, não olha pros lados.

– Tá me chamando de cavalo?, ele quis saber, já se sentindo ofendido.

– Desculpa, a comparação foi infeliz... mas, puxa, você não se liga no que acontece a seu redor, só quer ver lá na frente...

– Ah é, né? Pois eu acho que é pela esquerda, vou pela esquerda e tá acabado!

– Tudo bem, vá por onde quiser, mas se não quer saber, não pergunte.

Ao chegar ao fim da rua sem saída, Reinaldo teve que admitir que Margarete estava certa. Voltando pelo caminho que viera, ao retornar à bifurcação e seguir pela direita, não aguentou e questionou a esposa novamente:

– Puxa, meu bem, se você sabia com certeza que o caminho era pela direita, por que não insistiu comigo? Fez eu ir pela rua sem saída para depois voltar...

– Ah, meu querido... se insisto você ia querer discutir e brigar. Eu estava tão bem que preferi continuar em paz e ser feliz a ter razão.

*

Essa pequena história de Margarete e Reinaldo pode levar a várias análises. Deixa um monte de pontas soltas, mas centraliza em uma questão: “Ser feliz ou ter razão?”.

Essa estratégia, tão característica da cultura feminina, de calar e esperar o erro masculino para se expressar sem briga tem dado certo. Dada nossa cultura tão machista, à mulher, muitas vezes, só resta essa atitude, como nessa história. Não sei se isso é sair por cima ou por baixo. Mas com certeza quero ter razão. Brigar é uma consequência que enfrento com certa tranquilidade, caso tenha convicção de estar com a razão. Por que tenho que me calar se estou certo? Calar atingiria minha autoestima. Aprendi algo que foi fundamental para a minha preservação como ser afirmativo: o orgulho é maior que a dor. Amanhã posso fraquejar, não sei. Mas, com certeza, calar jamais me faria feliz. Ficaria remoendo o resto da vida.

Essa é minha posição pessoal. Sei, inclusive, que vou me dar mal por querer resolver tudo e ser tão orgulhoso. Difícil esse processo de reconhecer o correto e saber que, mesmo estando errado, você não tem como ser muito diferente. Bem, tenho aprendido um pouco. Já sei me calar, só não consigo quando pisam no meu calo. Quanto mais velho, mais consigo esperar, se tenho razão.

E você, prefere ser feliz ou ter razão?

*Luiz Alberto Mendes, 56, é autor de Memórias de um sobrevivente, sobre os 31 anos e 10 meses que passou na prisão. Seu e-mail é lmendesjunior@gmail.com

 

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