Semeando sonhos

Coluna do Luiz Alberto Mendes

por Luiz Alberto Mendes em

         Os últimos 10 anos em que permaneci preso, eu era outro, ou o mesmo só que com outras atitudes. Tornei-me professor. Alfabetizei e tentei ensinar centenas, talvez milhares de companheiros de prisão. Durante cerca de 6 ou 7 anos, lecionei em todas as salas de aula da extinta Casa de Detenção de São Paulo, na Penitenciária de Presidente Wenceslau e na Penitenciária de Serra Azul.

        Costumo dizer que se alguém quer aprender de fato, que vá dar aulas. É preciso estudar muito, entender de fato do que se esta ensinando. A maior garantia de um professor é seu conhecimento. Mormente para presos: eles questionam e só se sentem seguros quando constatam que o professor sabe mesmo sobre o que fala. Na prisão, professor é alguém de respeito. É procurado para desabafos, resolver problemas insolúveis, pedir conselhos e até se confessar, como fosse padre, advogado ou psicólogo. Em contrapartida, aprende-se muito também sobre a alma humana.

        Aos poucos me convenci que a maioria das pessoas presas não são maus ou perversos. Em maior parte são pessoas perdidas de si, com baixo desenvolvimento crítico e auto-crítico. Têm muito mais problemas pessoais, sociais e culturais que maldade ou periculosidade. São mais vítimas de si mesmos e das circunstâncias que pessoas realmente perigosas. Os criminologistas franceses já provaram que eles têm o mesmo perfil psicológico da população mais empobrecida. A cultura criminal que infesta as prisões e a que os presos são relegados e abandonados pela sociedade, impregna suas almas de modo nefasto e desumanizante.

       Quando sai da prisão, havia estudado muito acerca do assunto, particularmente antropologia e sociologia, na tentativa de entender os processos culturais da vida prisional. Observei, pesquisei e pensei muito na tentativa de encontrar soluções que pudessem reverter a situação do homem aprisionado. As pessoas aqui fora, mesmo aqueles que se dizem entendidos, não sabem nada sobre quem é o preso. Nem os diretores ou funcionários de cadeia, que estão mais próximos ao preso. Simplesmente porque a vida e a cultura na prisão são clandestinas. Tudo é escondido porque o que é normal aqui fora, lá dentro é proibido. Há uma linguagem e um comportamento próprios; os valores são outros; a estrutura social e a hierarquia são outras, não há parâmetros para comparações e estudos. É preciso vivenciar para conhecer.

        Ao ser libertado, pensei em apresentar uma visão de dentro para fora que pudesse fazer a diferença. Tentei de todos os modos, escrevi, fiz palestras, ministrei Oficinas, estive envolvido em muitos projetos e nada consegui. Não fui aceito, havia um bloqueio porque se julgava que, por haver estado dentro, eu não possuía moral para falar. O mistério da vida prisional estava ai: quem esta fora não tem como falar e não se dá moral para quem esta ou esteve dentro, dizer.  Passaram-se 11 anos, quando eu já estava me desiludindo, apareceram as amigas Claudia Cardenete e Solange Senese do Instituto de Ação pela Paz, com uma proposta de trabalho em prisões. Juntei-me ao amigo Maurício Cardenete, psicólogo e coaching, e juntos construímos um projeto de ação dentro dos parâmetros de nossas experiências e conhecimentos acerca do homem aprisionado. Colocamos tanto de nós nesse projeto que acabamos por nos apaixonar pela nossa criação. Procuramos aumentar a capacidade crítica do homem aprisionado, apoiá-lo para que crie sua auto-crítica, ajudá-lo a acreditar mais em si e em sua chance de vencer, para que possa enfrentar com mais músculos interiores o preconceito e as adversidades que certamente surgirão ao sair da prisão. O projeto foi para a Direção do Instituto e ficamos no compasso de espera, cheios de esperança e ansiosos pela aprovação.

       Ontem recebemos notícias de que nosso projeto "Semeando Sonhos" fora aprovado. Teremos financiamento para montar e espaço para aplicar o projeto piloto em uma penitenciária. A minha alegria e felicidade me engolfam; ainda não podem ser expostas em palavras. Ainda é algo acima da minha capacidade de superar a emoção, mas logo vou desenrolar isso. O importante é que nós conseguimos!!!

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Luiz Mendes

30/07/2015.

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