Sem-teto

O alemão Oliver Guenay vive com a cabeça no ar.

por Kátia Lessa Luís Roberto Formiga em

O alemão Oliver Guenay vive com a cabeça no ar.

E os pés também: há 20 anos ele cruza os céus de todo o mundo morando em seu paraglider.

Os ventos que guiam o alemão Oliver Guenay, 46, não podem soprar em direções incertas. Durante oito meses por ano ele passa a maior parte do dia no ar. Viaja o mundo com 14 quilos de equipamentos de vôo, 2 quilos de roupas e outros 2 de material fotográfico. “Sou um skytrekker”, ele se apresenta. Um homem que explora a terceira dimensão sem ajuda do motor. O veículo é o paraglider, e o destino é sempre uma região desconhecida.

Antes de se jogar de cabeça na vida de viajante profissional, Oliver estudou seis anos na Universidade de Munique. Tentou se encontrar nos cursos de meteorologia e geografia, em filosofia clássica e literatura inglesa. Mas a direção estava errada. Largou a universidade e deixou o país para mudar totalmente de vida. “Resolvi me tornar meu próprio professor e passei a ganhar a vida como guia de montanhas”, lembra. Além de guia, o cara se tornou profissional de ski e escalada em Chamonix, na França. Durante as expedições, começou a fotografar e escrever sobre as experiências para revistas alemãs.

Um belo fim de tarde, viu um paraglider planando no Mont Blanc. Dia seguinte, ligou para um grande fabricante da asa em Lyon e na cara-de-pau pediu um equipamento, alegando que tinha um projeto na manga. Aprendeu a manejar tudo sozinho. Se isolou em uma montanha austríaca no vale de Zillertal e, a partir desse dia, não parou mais de viajar. Hoje conhece 70 países. Sobrevoou os arredores de Corfu Island, cruzou Índia, Myanmar, Rio de Janeiro, Patagônia e muitos outros lugares.

“Eu já fiz diversos vôos duplos e notei que as crianças mudavam de comportamento depois de observar o lugar onde moram de um ângulo diferente. Muitas nunca viram um homem voar. Nem em filme!”

Entre nuvens

“É um processo solitário. Fico muito tempo longe das outras pessoas, e quando desço nos vilarejos ou cidades tento conversar com os locais. Mas muitas vezes a língua dificulta as coisas”, contou ele à Trip por celular, direto de uma montanha na Bavária. “Uma vez sobrevoei o Rift Valley, na Tanzânia. Depois do pouso, a vila toda estava ao meu redor. Tentavam entender o que era aquele homem chegando do céu. Todos sorriam, mas eu não entendia uma palavra do que eles diziam”, lembra.

A obsessão virou projeto de vida. Além de fotografar e escrever sobre suas experiências (são sete livros, infelizmente todos apenas em alemão), ele montou dois projetos paralelos. Um deles é levar a crianças carentes de 12 países a magia do vôo humano. “Já fiz diversos vôos duplos e notei que as crianças mudavam de comportamento depois de observar o lugar onde moram de um ângulo diferente. Muitas nunca viram um homem voar. Nem em filme! De lá de cima, tudo parece menor... as diferenças entre as pessoas somem, os problemas diminuem, assim como a paisagem. Encaro isso como uma missão de educação”, conta, embevecido.

Quando não está viajando nas vias aéreas, por volta de oito meses todo ano, fica de maio a agosto em casa, na Bavária, onde dá aulas de vôo avançado para pilotos e trabalha em seus livros – às vezes é visitado pela filha, que mora no Chile. Para se deslocar de um pico de montanha a outro, Oliver já usou de tudo. Trens, carros, cavalos, caiaques e até solas de sapatos.

“De lá de cima, tudo parece menor... as diferenças entre as pessoas somem, os problemas diminuem”

“Se não posso usar o paraglider ou se as condições de vôo não são favoráveis, apelo para esses transportes tradicionais. Mas me sinto seguro mesmo é no céu”, ri. Nesses 20 anos aéreos, só tomou um susto. Numa tarde de planagem, o paraglider colidiu com uma asa-delta dupla. O tombo foi feio. “Despenquei de 500 metros de altura e sobrevivi. Foi quase um milagre. Mas isso não é nada perto de tantas outras passagens lindas que já vi na vida, próximo às nuvens.”

A mais bonita, ele diz, foi em 1999. “O céu estava absolutamente azul, o dia ensolarado. Minha namorada na época e eu resolvemos cruzar os Alpes da Alemanha à Itália. Foi especial... Imagine o que é ficar a 5 mil metros de altura, totalmente conectado com a natureza, um silêncio que transmite uma paz sem igual, a mulher que você ama ao seu lado... Ainda não achei coisa melhor para fazer nesta vida!”

Créditos

Imagem principal: Oliver Guenay

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