Sem rewind

Mesmo que você esteja reescrevendo o texto, não é um recomeço, é um outro capítulo

por Ricardo Guimarães em

Caro Paulo,

Já comecei esta coluna três vezes. Esta é a quarta. E não acho que é recomeço porque não é a mesma coluna e eu não sou a mesma pessoa. Acho esse assunto de recomeço muito sério porque por trás dessa palavra pode se esconder a ideia de repetição, de fazer de novo, de segunda chance. E isso é péssimo. 

Ontem mesmo me destemperei conversando com uma de nossas equipes quando percebi que o trabalho apresentado tinha usado de forma errada a fantástica técnica do copy & paste. Fico mal quando percebo isso, menos pelo documento que eventualmente poderia ser melhor e mais pelo autor que passou alguns minutos de sua vida de maneira vulgar, apegado ao que já foi feito, acreditando que não tinha nada a acrescentar e que, no fundo, ele estava apenas refazendo algo, um trabalho que o computador pode fazer. Amo o recurso. Mas é preciso tomar cuidado para não ser seduzido pela facilidade que relaxa a tensão criativa, anestesia o estado de alerta para a oportunidade de fazer melhor e diminui a ambição de viver cada minuto da vida como único, sem repetição, sem copy & paste

Uma das conquistas mais legais da nova tecnologia é exatamente o baixíssimo custo do erro que libertou nosso intelecto da sensação negativa de gastar mais papel para refazer o texto. Imperava a culpa do erro, que levava ao desperdício porque não se fez bem da primeira vez. Mas isso mudou. O custo do papel não existe mais e o escrever ficou mais leve e mais fácil. O erro não é mais custo, virou fonte de aprendizado e audácia, sem culpa e sem custo de matéria-prima.

EVOLUÇÃO

Nós começamos a nos libertar do vício de “pensar matéria” e estamos tendo a preciosa oportunidade de “pensar tempo”. Veja a diferença: se pensar matéria, recomeço significa desperdício; se pensar tempo, recomeço é evolução. Porque a seta do tempo anda para a frente. Não tem rewind. Vida que segue, gente que evolui. 

Mesmo que se esteja casando de novo, assumindo nova profissão, mudando de cidade, reescrevendo o texto, definindo um novo gênero; mesmo que você tenha desmanchado todo o casaco para refazer o mesmo tricô, você não é mais a mesma pessoa. Não é recomeço. É outro capítulo da mesma história que consome o futuro inexoravelmente e, se a gente deixa, surpreendentemente. 

Esta coluna, por exemplo, saiu totalmente diferente do que eu tinha imaginado quando sentei para escrever; e muito mais divertida. Se fosse recomeço, talvez eu ainda estivesse tentando pela décima vez; e de saco cheio. Agora vou voltar para o Henri Bergson, no livro A evolução criadora, da editora Unesp. 

Jantamos na quarta para passar a limpo este novo momento do nosso país. Você me pega?

Abraço do amigo,
Ricardo

*Ricardo Guimarães, 66, é presidente da Thymus Branding. Seu e-mail é ricardoguimaraes@thymus.com.br e seu Twitter é @ricardo_thymus

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