Sem regras
Qual é a melhor maneira de viver? Se você não sabe a medida certa, não se preocupe.
Qual é a melhor maneira de viver? A todo gás, como os beatniks? Ou na contemplação de um monge tibetano? Se você não sabe a medida certa, não se preocupe. Quase ninguém sabe.
Se algum dia alguém me encomendasse um livro de autoajuda seria muito simples. Seria um volume de umas 300 páginas. Todas em branco. E o texto estaria escrito no meio, bem no meio (o que deve ser na página 151), e diria: “Regra número um, não existem regras”. Ponto, parágrafo e outra linha.
Porque, como disse o poeta Antonio Machado, “Não existe caminho, se faz o caminho ao andar, e é só ao voltar o olhar para trás é que se vê a trilha que nunca mais se há de percorrer”. Os Titãs têm uma música chamada “Epitáfio” que explica com detalhes o que Machado deixou hermeticamente no ar. Cantam os Titãs: “Devia ter amado mais, ter chorado mais, ter visto o sol nascer. Devia ter arriscado mais, e até errado mais. Ter feito o que eu queria fazer. Queria ter aceitado as pessoas como elas são. Cada um sabe a alegria e a dor que traz no coração. O acaso vai me proteger enquanto eu andar distraído, o acaso vai me proteger enquanto eu andar. Devia ter complicado menos, trabalhado menos, ter visto o sol se pôr. Devia ter me importado menos, com problemas pequenos, ter morrido de amor. Queria ter aceitado a vida como ela é, a cada um cabem as alegrias e a tristeza que vier. O acaso vai me proteger enquanto eu andar distraído. O acaso vai me proteger enquanto eu andar. Devia ter complicado menos, trabalhado menos, ter visto o sol se pôr”. Ponto, parágrafo e outra linha.
Ou seja, quando é que menos é mais e o que é preciso para que, com muito menos, tudo valha a pena? Não tenho a certeza. Ouvi de Nizan Guanaes, um dos mais reconhecidos publicitários brasileiros, que “é da quantidade que sai a qualidade”. Ponto. “Sem transpiração não existe inspiração”, teria dito Picasso. Qual a medida certa? Não sei. Para alguns, as coisas acontecem em um piscar de olhos, para outros demoram uma vida inteira e quando acontecem é tarde demais. Culpa deles, culpa do alinhamento dos planetas que demorou para acontecer? Nunca se saberá. Vinicius de Moraes, sim, via as coisas claramente: “Quem já passou por essa vida e não viveu, pode ser mais, mas sabe menos do que eu”. E não tem como discordar com o poeta (parece que apenas os poetas têm a chave da vida, que só eles a conseguem entender). Mas o que é viver? A todo gás, como os beatniks? Ou na contemplação de um monge tibetano? Ou no volante de um Fórmula 1? Ou cuidando de crianças com Aids em algum país africano? Ponto, parágrafo, atire a primeira pedra quem nunca pecou.
“Construímos muros demais e pontes de menos” é uma frase que gosto bastante. Infelizmente não me lembro de quem é. Mas parece feita sob medida para a cidade de São Paulo. No sentido figurativo, poético ou mesmo imediato e linear. Cheguei ao Brasil em 1970, não existiam os muros. As casas, acredite se quiser, não tinham muros. Zero. Quer dizer, um murinho baixo aqui, um outro ali. Quarenta anos depois a altura das paredes que rodeia as casas da cidade ultrapassa a do primeiro andar delas. Quando é que alguém vai descobrir que tem alguma coisa errada nisso? Quem está mais seguro: quem tem muro mais alto ou quem não tem?
DOSE CERTA
Só me resta mais uma frase, esta também não sei de quem é, guardada na gaveta e que me parece na medida certa para quem não sabe qual ela é: “Quem conhece a sua ignorância revela a mais profunda sapiência e quem ignora a sua ignorância vive na mais profunda ilusão”. A única coisa que estraga ela, no meu modesto ponto de vista, é a palavra “sapiência”. Uma palavra que ninguém mais usa e que denota o academicismo do pensamento. Mas isso, nesta altura dos acontecimentos, não tem importância.
Se você não sabe sua medida, como dosar a intensidade a mais ou a menos para impulsionar sua vida, não se preocupe. Quase ninguém sabe. Ponto. Parágrafo final.
*J. R. Duran, 59, é fotógrafo e escritor - www.twitter.com/jotaerreduran |