Sem deixar rastros
Falamos com o jornalista americano Evan Ratliff, que encarou o desafio de desaparecer
Quem consegue desaparecer em um mundo hiperconectado? O jornalista americano Evan Ratliff bem que tentou, em 2009, sumir e viver sob uma identidade falsa. Conversamos com ele sobre o desafio de ser um ilustre desconhecido na era digital
Em 15 de agosto de 2009, Evan Ratliff sumiu. O jornalista topou participar de uma experiência proposta pela revista americana Wired de passar um mês desaparecido, tentando viver como outra pessoa.
A Wired ofereceu uma recompensa de US$ 5 mil para quem o encontrasse. Em seu site, diariamente, publicou fotos e pistas sobre características pessoais do repórter. A ideia era testar a possibilidade de se manter escondido na era digital. Tudo o que Ratliff prometeu fazer foi permanecer em território dos Estados Unidos e manter seu estilo de vida, acessando regularmente sites como Facebook e Twitter e frequentando lugares semelhantes aos que ele costumava ir. “Não vou me esconder numa cabana nas montanhas”, garantiu. O chefe, a namorada, os amigos e os familiares desconheceriam seu paradeiro. Centenas de leitores participaram da brincadeira de caça ao tesouro. Como disfarce, o jornalista tingiu e raspou parte do cabelo, colocou lentes de contato coloridas, óculos à Harry Potter e chapéu. Criou cartões de visita falsos, usou celulares pré-pagos não rastreáveis e criou uma nova identidade na web.
Uma semana antes de o prazo terminar, no entanto, ele foi capturado. Um grupo liderado pelo ex-diretor de programas da Microsoft, Jeff Reifman, descobriu seu novo nome (James Donald Gatz, uma referência ao personagem-título de O grande Gatsby, que constava da lista de livros favoritos do jornalista), rastreou suas contas falsas no Facebook e no Twitter e concluiu que Ratliff estava em Nova Orleans.
A Wired havia informado que o jornalista sofre de intolerância a glúten. Reifman teve a ideia de telefonar para a única pizzaria sem glúten da cidade, a Naked Pizza, para avisar que Evan estaria na região. O proprietário Jeff Leach reconheceu o repórter e dividiu o prêmio com o xará que lhe passara a dica.
A inspiração para o projeto Vanish (www.wired.com/vanish) surgiu após uma reportagem de Ratliff a respeito de pessoas que desaparecem por decisão própria, fingindo morrer e recomeçando sob uma nova identidade.
Os números são nebulosos, mas estima-se que pelo menos 200 mil americanos adultos estejam nessa situação – boa parte deles tentando fraudar os seguros de vida.
Nesta edição da Trip sobre anonimato, convidamos o sumido Ratliff, seu descobridor Jeff Reifman e o editor da Wired na época da reportagem, Nicholas Thompson, para discutir sobre privacidade no ciberespaço, anonimato na era digital e a vida cada vez mais devassada e exposta em tempo real pela internet. Confira abaixo os melhores momentos dessas conversas.
Que tal a sensação de ser outra pessoa?
Ratliff: Houve momentos em que eu curti me livrar da minha identidade e das minhas antigas responsabilidades – pelo menos por um período. Havia liberdade, a possibilidade de me reinventar e ser outra pessoa. Mas a verdade é que, na maior parte do tempo, fiquei obcecado em me manter escondido e na paranoia de ser encontrado a qualquer momento. Me incomodava o fato de ter que mentir o tempo todo, ter que manter a coerência da história que havia inventado. Perdi muito tempo preocupado se o meu dinheiro ia acabar, me hospedando em hotéis baratos e fugindo no meio da noite para não ser identificado. Então, muito do que deve ser divertido numa experiência como essa foi corroído pela realidade de estar numa situação de fuga. Quando as pessoas começaram a ir ao meu apartamento, procurar meus familiares e amigos, tornar públicas coisas como a minha assinatura, senti uma ponta de arrependimento por ter concordado em fazer parte daquilo tudo. Quando fui pego, fiquei puto por ter dado tantos passos errados. Também me decepcionei por não ter conseguido cumprir o desafio até o fim e, ainda por cima, ter perdido o dinheiro que eu havia investido nele (dos US$ 5 mil de prêmio, US$ 3 mil saíram do bolso dele). Mas senti alívio em poder voltar para casa e encontrar os meus amigos e a minha família. Pelo menos, no meu caso, ser pego não significava ir para a cadeia ou ser morto, como costuma ocorrer com um fugitivo típico.
O que mudou no uso de tecnologias e redes sociais? Hoje é mais difícil de ser rastreado do que há três anos?
Ratliff: Certamente há muito mais pessoas nas redes sociais e utilizando telefones fixos e celulares, e as autoridades estão muito mais espertas sobre como rastrear esses serviços para encontrá-las. Acho que hoje é mais difícil não ser rastreado, dado que estamos cada vez mais dependentes de tecnologias que permitem a nossa localização e a nossa identificação. As autoridades sabem muito sobre quem você é e onde você está.
Jeff Reifman: O Facebook hoje é tão parte da nossa cultura que vai ser difícil para os fugitivos no futuro evitarem ser descobertos. Em algum momento, não ter uma conta ali será algo impraticável. Mas, assim que as pessoas entram em uma rede social como essa, o risco de serem encontradas aumenta substancialmente. A cultura de segurança nos EUA depois do atentado de 11 de setembro de 2001 dificulta muito viajar, fazer compras e procurar emprego sem deixar números de identificação que podem ser facilmente rastreados.
É possível desaparecer na era digital?
Nicholas Thompson: Acho absolutamente possível. A internet ajuda as pessoas a te rastrearem, mas também torna mais fácil que você crie uma nova vida e uma nova identidade.
Afinal, Evan quase conseguiu fazer isso e tenho certeza de que um monte de gente na vida real é bem-sucedida nessa tarefa.
Reifman: Nos EUA, acho muito difícil desaparecer quando há pessoas atrás de você. A menos que você tenha muito dinheiro. Fora do país é mais fácil sumir.
Ratliff: O jeito é realmente abrir mão de tudo: não usar meios eletrônicos, não acessar a internet, não manter contato com ninguém que tenha relação com o seu passado. Se quiser infringir a lei, você pode conseguir documentos falsos para deixar o país. Ter muito dinheiro obviamente ajuda. Mas, na experiência da Wired, eu estava buscando ser uma nova pessoa no mesmo país, com o mesmo estilo de vida que eu tinha antes, sem muita grana e com um monte de gente atrás de mim... Aí fica difícil!
Dez informações que levaram Evan Ratliff a ser descoberto
Nome Evan Donald Ratliff
Cidade natal Atlanta (EUA)
Data de nascimento 23 de abril de 1975
Olhos Azuis
Cabelos Castanhos
Problemas de saúde Intolerância a glúten
Twitter @theatavist
E-mail eratliff@atavist.net
Conhecido por frequentar Praias, cafés com wi-fi, bares para assistir a jogos de futebol, lojas de livros usados, restaurantes de comida mexicana
Onde foi visto pela última vez San Francisco, Califórnia