Se chorei ou se sorri...
J.R. Duran: "A Inquisição considerava a risada um instrumento do mal"
Em O nome da rosa, Umberto Eco descreve uma série de assassinatos – em uma abadia beneditina na Idade Média – Relacionados a um livro de Aristóteles que fazia apologia ao riso. A Inquisição, naquele tempo, considerava a risada um instrumento do mal
Me lembro perfeitamente da última vez em que chorei. Confesso que faz muitos anos, o motivo era simples e não vem ao caso. Mas tenho o momento perfeitamente desenhado na minha memória. Lembro, aliás, de quase todas as vezes em que lágrimas, com maior ou menor intensidade, escaparam pelos cantos dos meus olhos. Foram poucas até agora, e sempre em situações bem reservadas. Como fui educado na escola da vida, que ensina a não externar demais os sentimentos, tento fazer com que esses momentos aguados fiquem afastados do radar de quem está perto de mim. Em geral, aliás, tento controlar as minhas reações; seja nos momentos mais eufóricos ou nos instantes menos luminosos, em que as vitórias parecem coisa do passado. A razão é simples: a vida não perdoa quem se deixa levar facilmente pelas emoções.
Independentemente da maneira como vejo o mundo, existe a convenção de que o choro, apesar de liberar as tensões, é uma manifestação de sentimento que não deve ser praticada em público. No máximo, no escuro do cinema.
Já o riso, antípoda do choro, é uma reação que hoje precisa ser exibida em curtos espaços de tempo para denotar o conforto e o bem-estar de se encontrar na presença do interlocutor. Como se fosse uma constante prova facial de que o otimismo e a confiança no seu interlocutor não desertaram da sua mente.
Nem sempre foi assim. O escritor Umberto Eco, em seu livro O nome da rosa, conta como o frade franciscano William de Baskerville, o protagonista, se envolve na investigação de uma série de assassinatos em uma abadia beneditina no norte da Itália durante a Idade Média. A razão das mortes, descobrimos no fim, é um livro de Aristóteles guardado na gigantesca biblioteca do convento, precisamente por fazer apologia ao riso. A Inquisição, naquele tempo, achava o riso subversivo e um instrumento do mal, e o frade que toma conta da torre em que se encontram os livros decide matar todos os outros habitantes do monastério que tiveram acesso ao escritor grego.
Chantagem emocional
No século 21 ficou decidido que o sorriso, a risada em público, é um gesto aceitável e necessário, e que o choro – espécie de defesa do ser humano perante situações altamente estressantes ou liberadoras – determina um estado emocional alterado. Isso não quer dizer que não exista sempre alguém querendo utilizar o choro para provocar compaixão, empatia ou solidariedade. Mas, convenhamos, a chantagem lacrimal, bastante praticada em momentos de falta de argumento, é da pior espécie.
Se o choro é o antípoda do riso na geografia das emoções, entre as duas latitudes existe o equador dos sentimentos incontroláveis, um terceiro ponto de liberação de tensões, que é o meu favorito. É o momento em que uma outra pessoa, dotada de inteligência e de senso de humor excepcional, consegue detonar na mente de qualquer um o paradoxo da vida, que permite poder chorar de tanto dar risada. Essa, sim, é a melhor maneira de rir ou de chorar.
*J. R. Duran, 59, é fotógrafo e escritor. Seu Twitter é o @jotaerreduran