Meu pai era apaixonado por filmes e gibis de bang bang. Porque eu era muito novo e não podia me deixar sozinho em casa, ele me levava ao cinema e, antes da escola, aprendi a ler nos gibis dele. Desenvolvi uma paixão enorme por armas e valentias. Naquela época, quando o povo pegava um ladrão, linchava; meu pai odiava ladrões. Dizia que se um filho dele virasse ladrão, ele lhe cortaria as mãos para que não roubasse nunca mais. Chegava em casa, bêbado de cair. Desmaiava em cima do prato; eu e minha mãe o arrastávamos para o quarto e o colocávamos para dormir.
Comecei roubando-o. Todo dia pegava algumas notas de seu dinheiro, ele jamais deu falta. Depois fui roubava nas casas da família. Descoberto, minha mãe começou a me revistar quando saíamos. Aos 11 anos, por conta das surras, do ambiente pesado e a minha fascinação pelas luzes da cidade, fugi de casa. Fui viver com os meninos de rua da cidade; com eles aprendi a roubar para sobreviver. Segui assim pela adolescência: batendo carteiras; fazendo arrombamentos; correndo da polícia, dos comissários de menores, das vítimas, como se o mundo todo me ameaçasse.
Aos 14 anos fui pendurado no pau-de-arara pela primeira vez. A polícia queria saber de meus roubos, mas não para coibir e sim para saber dos receptadores das coisas roubadas para extorquir. Aos 18 anos sai do que chamam hoje de Fundação Casa. Na época era um depósito para menores de idade, uma escola do crime. Quis ser assaltante e bandido perigoso. Meus valores eram invertidos; o errado que era o certo. Cometi uma série de assaltos e atentei contra a vida de pessoas. Devidamente preso, fui condenado a mais de 100 anos de prisão. Não podia ser diferente; era tudo o que eu sabia fazer, dentro da cultura de crime que fui criado.
Aos 22 anos de idade, já preso a algum tempo, tive o meu primeiro encontro com os livros. Paulo Freire dizia que na medida que a pessoa conhece os códigos de comunicação da sociedade, faz uma releitura dessa sociedade. Foi o que se deu comigo. Não conhecia quase nada da vida e já havia desgraçado a vida de pessoas e estava condenado a não sair mais da prisão. Reconheci que havia pego o atalho errado; trilhei novos caminhos de estudos em busca de conhecimentos. Conheci o amor, o respeito e uma série de valores que me levaram a romper definitivamente com a cultura do crime que me impregnava.
Resolvi seguir em frente, embora a realidade resistisse à vontade. Descobri; cultura não morre, mas pode ser ultrapassada por culturas mais sólidas. Foi um difícil rompimento. Recebi apoios, pessoas me trouxeram livros e me incentivaram à leitura. Comi o pão que o diabo amassou por cerca de 30 anos. Dei passos para a frente e para trás, oscilei, cai, levantei, desisti de mil vezes para retomar mil e uma e ao poucos, fui ultrapassando.
Nunca mais larguei os livros, eles me salvaram. São mais de 40 anos de leituras. Nunca mais fiz mal a ninguém, nunca mais quis fazer senão o melhor para todos e fui caminhando para as pessoas a passos firmes, cheio de vontade de acertar. Sou humano, uso o banheiro como todo mundo, e errei bastante ainda, erro até hoje. Pessoas acreditaram em mim e me deram todo o apoio que eu carecia para me reerguer. Agradeço do fundo do coração e faço o que posso para merecer a confiança em mim depositada.
Cumpri minha pena, a máxima do país, e sai da prisão há 11 anos. Hoje, como em todos os anos, comemoro o sucesso de meu rompimento com a cultura do crime e a decisão de viver minha vontade, enfrentando a mais dura realidade. Saudações a todos que acreditaram em mim e àqueles que me leem, pela minha libertação da prisão, dia 5 de abril de 2004. Saúde!
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