Santa ignorância
Sócrates cunhou a famosa máxima "só sei que nada sei", mas depois se contradisse com outra frase: "só há um bem, o conhecimento, e só há um mal, a ignorância". Se o pai da filosofia estava confuso, imagine eu
Assim que soube qual seria o tema central desta Trip, “a multiplicação do saber”, me veio sem esforço à cabeça, ou seja, ao próprio saber, aquela que talvez seja a máxima mais famosa sobre o assunto: “só sei que nada sei”.
A frase, atribuída a Sócrates, transforma imediatamente o nosso tema numa contradição em termos. O saber tende ao nada, ao zero. E o nada não pode ser multiplicado.
Acontece, lembrei, que o próprio Sócrates teria dito também: “só há um bem, o conhecimento, e só há um mal, a ignorância”. Sócrates acreditava no conhecimento. Era a sua bandeira. Mas é estranho. Esta última refl exão dele parece dizer que o conhecimento é o que há de melhor e a ignorância é o que há de pior, enquanto a outra refl exão diz que o conhecimento é a própria ignorância. Aqui, parece que a contradição está dentro daquilo que muitos reputam ser a mãe de toda a fi losofi a ocidental, a cabeça do pensador grego.
Ou, me ocorre assim que recebo de frente um rápido Gilberto Gil, não? Será que não há contradição entre as duas frases? Será que, para Sócrates, não só o conhecimento e a ignorância mas também o bem e o mal se equivalem? Só assim as duas refl exões teriam algum nexo. E, sendo assim, bem e mal também tenderiam ao nada? A própria vida, em última instância, tenderia ao nada? Não sei, é claro. Só sei que não sei. Alguém sabe?
PARADOXO DO SABER
As questões que Sócrates levanta ocorrem sobretudo num espaço para lá de sideral, que fica fora daquilo que Einstein chamou de “zona das dimensões médias”. Mas é dentro dela que passamos a maior parte do nosso tempo. E aqui, na zona, conhecimento é necessidade vital. Mesmo assim, percebo que o paradoxo do saber, só de ter sido mencionado, já vai puxando o freio de mão das minhas idéias frágeis. E inviabilizando todo o nobre discurso de defesa do conhecimento que eu planejava para estas linhas, para gerar a mais curta de todas as colunas que eu já escrevi aqui na Trip.
É aí que me aparece uma outra reflexão sobre o saber, desta vez vinda do pensamento oriental. Ela ajuda a iluminar o caminho daqueles que, como eu, não são nem ignorantes, nem sábios: “um ignorante, quando olha um lago, vê um lago. Um aprendiz de zen, quando olha um lago, vê mais do que um lago. Um sábio, quando olha um lago, vê um lago”.
*CARLOS NADER, 43, é um homem de mídia que mora na filosofia. Ou não? Seu e-mail é carlos_nader@hotmail.com