Robin está chorando

Paulo Lima: "Brigar é um ingrediente da nossa natureza"

por Paulo Lima em

Enquanto você lê este texto no sofá, no metrô ou numa cadeira de praia, o entrevistado das Páginas Negras da edição está em algum lugar úmido e quente da Colômbia, suando para encontrar pontos de contato entre as forças rebeldes das Farc e o governo daquele país. Seus conhecimentos de budismo e hinduísmo, sua formação em antropologia na Universidade de Yale, o doutorado em Harvard, as experiências com nativos em Papua Nova Guiné, com russos e chechenos, árabes e israelenses, os anos de estudos na Suíça, ou a implacável convivência com uma filha adolescente de 15 anos... Claro que todo esse cabedal de conhecimento acumulado está sendo sacado e processado, ainda que inconscientemente, a cada segundo de tensão, medo e angústia que um conflito tão entranhado e nervoso produz.

Mas Bill Ury tem em seu cinturão um troféu que pode não constar em seu currículo, mas que tende a ser ainda mais valorizado por muitos estudiosos dos eternos entreveros entre seres humanos: é um bom e genuíno amigo de sua ex-mulher.

A pergunta que não aparece na entrevista foi formulada uns dias depois, num segundo encontro menos formal. Bill jura que hoje, alguns anos depois de sua separação e do novo casamento, sua ex costuma visitá-lo trazendo inclusive o atual marido e reunindo os filhos de ambos e os que tiveram com os atuais cônjuges. Ele explica que, mesmo com todas as dificuldades, os sentimentos misturados de abandono, rejeição e frustração que invadem invariavelmente as cabeças de quem resolve romper um vínculo tão forte, os dois conseguiram não perder de vista o respeito básico e a capacidade de ouvir.

Mas por que brigamos tanto afinal?

Como Ury resumiu ao longo das três conversas que mantivemos em dias e países diferentes num mesmo mês, mais de 90% das brigas e desentendimentos nascem da não abertura de espaço genuíno para o diálogo, para entender o que de verdade motiva o outro na direção das posições que defende. O simples ato de ouvir de forma desarmada e respeitosa já resolve parte importante da tensão.

Brigar é um ingrediente da nossa natureza, sim, mas entender, ceder e perdoar parecem igualmente constar da mesma fórmula que nos explica. “Para vencer de verdade, sempre será necessário perder em alguma medida”, diz um. “O amor é a melhor arma para enfrentar a briga de estar vivo”, revela outro dos nossos interlocutores na busca ampla de respostas que resultou na edição que você tem nas mãos e que se estende às páginas da Tpm. A Trip para Mulheres deste mês dos namorados tenta responder à mesma pergunta sob a ótica feminina.

Neste momento, gritos sentidos interrompem meu raciocínio. Olho para o lado para ver de onde vêm os lamentos. Nada... Dirijo o olhar mais para baixo e encontro o dono da sirene que verte lágrimas. Meu filho de 2 anos está ali, plantado ao lado da minha cadeira. Ele chora um choro desenfreado, trajando sua fantasia de Robin com a capa amarela e empunhando uma espada de plástico emprestada de algum outro personagem. Soluçando e falando com dificuldade, ele diz algo que decifro com esforço: “A Vitóia me bateu...”.

Sua coleguinha de escola, de nome Victória, parece ter optado por solucionar o conflito pela posse transitória de um boneco da forma menos sofisticada, aplicando sem dó um jab de esquerda na barriga do garoto.

Proponho a abertura de um campo para diálogo com sua oponente. Ele chora ainda mais alto...

Onde está William Ury quando mais precisamos dele?

PAULO LIMA, EDITOR

Arquivado em: Trip / Comportamento / Comportamento / Editorial