Rir para não enlouquecer

por Luiz Alberto Mendes em

Rir para não chorar

 

De certo as pessoas pensam que o homem aprisionado deva ficar triste, chorando pelos cantos da prisão, agoniado. Claro, tem isso também e, às vezes, numa proporção exagerada. O sofrimento de se estar preso, contido e sem chances, é desesperador. Mas já que é para ficar, e como não somos feitos só de dor, inventamos algumas maneiras de criar alegrias, mesmo que artificiais. Sem alguma brincadeira, sem alguma alegria, sem a piada, com certeza, não sobreviveríamos ao cárcere. Ficaríamos todos loucos com aquela desgraceira toda. E os que não têm humor, enlouquecem inapelavelmente. Já contei: fomos em quatro para a prisão. Uma quadrilha de semi-adolescentes, todos com 18 anos e recém saídos do que antes era FEBEM e hoje é a Fundação Casa. Um se enforcou e os outros dois saíram da prisão totalmente lesados; um virou mendigo e o outro esta dando trabalho à família.

As brincadeiras, ou curtições, eram quase todas envolvendo o monumental preconceito contra o homossexualismo incutido no presidiário. Foi convencido de que o homossexual é uma pessoa fraca e sem moral, e na prisão um homem além de ter que ser duro e forte, a sua moral é tudo o que ele possui. Mesmo porque, para o machismo imperante, a moral esta na bunda. Lembro uma assim:

Na penitenciária havia três pavilhões. Ainda existe só que virou Penitenciária Feminina atualmente. Os pavilhões distam cerca de 30 metros um do outro; as janelas de um dá para as janelas do outro pavilhão. Durante o dia, conversávamos na linguagem dos surdos; com as mãos. À noite era no grito porque não dava para ver as mãos.

Então o Feio, sujeito gozador por natureza que morava no Pavilhão 2, chamou o Jacó, que chegara recente na prisão e morava no pavilhão 3.

_ O que é, meu? Vai ficar enchendo o saco ai gritando? Tô escutando o noticiário, pô!

 _  Sintoniza a rádio excelsior ai...

 _  Ah! meu, não enche; o que tem lá?

 _  Pega ai que você vai ver.

 _ Tá, tô pegando (eram aqueles radinhos de uma faixa apenas)...

 _  Pegou?

 _  Peguei!

 _  Pegou mesmo?

 _  Peguei!

 _  Pegou certinho?

 _  Peguei, porra! Vai ficar enchendo o saco?

 _  Então solta que eu quero mijar...

A cadeia veio abaixo, não teve quem escutou e que não riu. O Jacó ficou bravo; perdeu a esportiva, nervoso, quis brigar, e é claro, deu margens à mais gozações. Feio complementou:

 _ Esta me ameaçando, né? Então, só por causa disso esta de castigo! Vai ficar um mês sem ver eu mijar!!!

Jacó fechou a janela numa pancada só, quebrando até um vidro, todo bravo. A população, à busca de alguma alegria, riu até não mais poder.

Quem mais sofria nas mãos desses gaiatos eram os novatos que não conheciam a "janga" (nome dessa gozação tão masculina). Então o sujeito era mandado lá para o fundão do 3º pavilhão para procurar o Cabeça Rachada ou o martelo de borracha (apelidos do pênis). E todo mundo sabia; o sujeito rodava a cadeia procurando. Alguém dizia que o cabeça rachada havia passado por ali a pouco e fora para o 5º andar do 2º pavilhão. E ainda acrescentaria para ir rápido porque, quem sabe, ainda poderia encontrá-lo pelo caminho. E quando o sujeito dizia não conhecer, aconselhava-se a sai perguntando: todo mundo conhecia o Cabeça Rachada e se o visse reconheceria imediatamente por ele ter a cabeça rachada. E lá ia a vítima perguntando:

_ Você viu o Cabeça Rachada?

Sem dúvida, era uma espécie de bullyng bem humorado para os que chegavam, uma brincadeira que considerávamos sadia. Havia outras, nem um pouco sadias, e que nem eram brincadeiras. Caso o novato levasse na boa e risse também, seria melhor aceito. Aqueles que ficavam valentes quando descobriam a zombaria, já contavam pontos a menos no relacionamento prisional. Também na prisão a simpatia, a generosidade, o traquejo social e o bom humor selecionavam.

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Luiz Mendes

02/06/2014.

 

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