Rico, poderoso e infeliz

No Brasil, 84% dos executivos estão infelizes. O que fazer para não cair nessa roubada?

por Betania Tanure em

Pesquisa revela que 84% dos executivos do Brasil estão infelizes. O que fazer para você não cair na mesma roubada? texto Betania Tanure* e Antonio Carvalho Neto**

Seu nome é trabalho? Você quer ser lembrado dessa forma?

Inquietos por perceber que cada vez mais as pessoas assumem esse nome - e que não refletem sobre isso -, mergulhamos na alma de 956 executivos para analisar suas grandes inquietações, seus medos, prazeres e desprazeres, suas emoções. Ou seja, para descobrir se e quanto se sentem felizes.

E você, já pensou nisso? Acredita que os poderosos executivos estão felizes, que se orgulham do estilo de vida que têm? Sabemos que as pressões do cargo são muitas. Você acha que eles lidam bem com isso ou vivem à beira de um ataque de nervos?

Os executivos têm paixão pelo trabalho, alcançam a realização profissional e dão contribuições importantes para a sociedade - não há dúvida. Então por que 84% revelam que não estão felizes quando analisam sua vida profissional e sua vida pessoal?

Embarque conosco nessa viagem pelas cinco grandes fontes de prazer ou desprazer, de realização ou frustração que encontramos em nossa pesquisa. E busque descobrir em que medida você se identifica ou não com cada uma delas.

 

O modelo workaholic datou?

"Claro que sim! Está fora de moda trabalhar demais." É o que a maioria responderia. Mas o fato é que, se o modelo workaholic entrou em colapso no discurso, na prática nunca esteve tão vivo. "Infelizmente, o dia só tem 24 horas." Muitos trabalham 12, 13, 14 ou mais horas por dia. E esse tempo não inclui o tomado em viagens ou em eventos de negócios fora do horário "normal", nem o dedicado a conversas de trabalho por celular ou por e-mail fora do escritório. Essas atividades alimentam uma sensação generalizada por parte dos executivos de que falta tempo para viver e aproveitar outras dimensões da vida, como o convívio com a família, a dedicação a uma parceria amorosa e o lazer - e até para cuidar da própria saúde, entre outras necessidades fundamentais do ser humano.

Muitos sofrem e se questionam sobre essa situação, e a maioria sente-se impotente diante dela. A infelicidade gerada pela escassez de tempo muitas vezes só é percebida com maior clareza quando um executivo passa por uma grande crise, por dificuldades mais sérias: "Somente depois de um infarto é que concluí que estava poderoso, rico e sem vida".

O drama não é só o tempo real gasto no trabalho, mas também a energia: o que adianta chegar em casa e a alma ter ficado na empresa, o corpo estar esgotado? É preciso buscar a conciliação entre vida profissional e vida pessoal. É, sim, possível harmonizar essas duas dimensões. Para isso, o primeiro passo é não subestimar o grau de atração do trabalho. Ou seja: não caia na armadilha de acreditar que qualidade, e não quantidade, de tempo basta para fortalecer suas relações afetivas. Se duvida dessa afirmativa, tente passar 4 horas por dia no seu trabalho, em vez de 12, 13, 14, com altíssima qualidade.

 

Haja coração para tanta reestruturação

Se você ouve sempre no trabalho uma frase do tipo "A única constante é a mudança", fique esperto. Você pode ter sido infectado por um vírus que denominamos de ziguezague da mudança. Trata-se de uma doença dos tempos atuais. O que causa essa doença não é viver a mudança, mas achar que as coisas mudam a todo instante e ter o afã de ser mais e mais veloz nesse processo. Se é esse seu caso, mesmo considerando que as fases de estabilidade se tornaram mais curtas e menos comuns, pare e pense: "Estou mesmo em uma fase de mudança? E preciso estar?".

As mudanças nem sempre têm impacto negativo nas pes­soas. Elas podem ser incrementais ou radicais, e isso faz bastante diferença no efeito que produzem.

Qualquer empresa pode necessitar, em algum momento, de realinhar alguns aspectos de sua estratégia, de sua estrutura, de seus processos, ou mesmo de sua cultura. É o que conhecemos como mudança incremental. Desde que realizada com competência, dificilmente terá conseqüências nocivas para os envolvidos.

Já a mudança radical é caracterizada pelo ataque sistemático e simultâneo em muitas frentes. Por exemplo, a mudança de controle acionário, a do corpo diretivo e o fechamento de operações seguido de demissões alteram fundamentalmente o ritmo de trabalho dos executivos. Tais ações são freqüentemente iniciadas em tempos de crise e realizadas a partir de decisão da direção. São radicais, deixam marcas - tanto positivas como negativas -, influenciam a vida das pessoas e ninguém, nem mesmo os poderosos, está imune às conseqüências que elas geram.

Dos executivos de nossa pesquisa, 55% relatam viver uma mudança radical e se sentir mais estressados e menos felizes na vida profissional e na pessoal. Um deles, de um setor que tem forte ritmo de consolidação, nos diz: "Em três anos é a quarta vez que sou adquirido pela empresa X. Na primeira decidi que não queria trabalhar lá. Saí e fui para outra empresa do mesmo ramo. Meses depois a X adquiriu a empresa em que eu estava. Pensei: de novo? Dessa vez eles não me quiseram. Demitiram praticamente todas as pessoas que ocupavam posições como a minha. Fui então para outra empresa do mesmo setor - é esta a minha competência diferenciadora. Estava muito animado: desafios, clima de confiança, me integrei rapidamente. Menos de um ano depois a empresa foi adquirida, adivinha por quem? Pela X. Ufa! Já não queria mais, quarta empresa do ramo. Pensei: minha última experiência nesse setor. Então, claro, você já sabe o que aconteceu, pois aqui estou eu, na X - adquirido pela quarta vez. Haja coração!".

Para quem vive experiências assim, diríamos: concentre-se nas competências que você desenvolve nessas horas, que são cada vez mais valorizadas no mundo empresarial, e na identificação de oportunidades - elas existem.

 

A sensação de dívida

Quinta-feira à noite. Você trabalhou todos os dias até tarde, mas ao pensar na sua agenda da semana vê que nem que fosse segunda-feira daria tempo de cumpri-la. A sensação é de "estar sempre devendo", de sentir que pode não dar conta de tanta demanda, de não ter competência, capacidade ou governabilidade para lidar com demandas cada vez maiores e mais complexas por parte das empresas.

Não que as dimensões de sua vida fora do trabalho não contribuam para aumentar a fonte de tensão que aqui chamamos de sensação de dívida (especialmente forte na mulher). A questão é que hoje, mais do que antes, demanda-se do executivo que esteja disponível full time no trabalho, que seja capaz de acumular funções, que faça inúmeras viagens, que atinja metas ambiciosas o mais rápido possível.

É tamanho o estresse dessa corrida maluca que, mesmo quando se atingem excelentes resultados, não há espaço sequer para a celebração do sucesso, para aquele momento em que líderes e liderados comemoram suas conquistas. E a conclusão comum é a seguinte: "Ou você está no jogo, ou está fora dele". Será?

Para alguns executivos, enfrentar esses desafios e esse alto nível de cobrança é um estímulo. Em seus relatos a respeito, eles mostram suas sensações de conquista e de vitória: "Gosto de ver um trabalho desafiador concluído", "Adoro toda essa adrenalina.". Entre eles, conseguir "chegar lá" significa desfrutar de um tremendo prazer, de muita realização, sentir um grande orgulho. Eles têm aquele brilho nos olhos.

 

A sensação de pertencimento

Você gosta do que faz? Tem orgulho de dizer que trabalha na empresa? O "sim" como resposta simboliza um dos antídotos contra o estresse do mundo executivo. Porém, se a empresa em que você trabalha não tem um papel especial na sua realização, se o seu trabalho não tem um significado além do total cash, cuidado. Há em cada uma das respostas uma poderosa fonte de (in)felicidade.

A sensação de pertencimento a uma empresa que tem sua admiração, isto é, de que seus valores e os dela são compartilhados, de que você faz parte de "algo maior", ‘faz a diferença', gera sensação de prazer.

Para você que vai trabalhar em uma empresa, uma dica importante na escolha: coloque a dimensão de pertencimento no topo dos seus critérios de avaliação. A compatibilidade de valores individuais com valores empresariais gera sensações positivas para a auto-estima e para sua satisfação no trabalho.

 

O teatro organizacional

Esse é o mais complexo dos cinco dilemas. É comum haver um jogo de cena dentro do ambiente de trabalho, no qual cada um exerce um papel que julga condizente com a cultura da empresa, como num teatro. Tal jogo de cena pode se transformar em fonte de tensão quando o teatro é exagerado, quando o papel toma conta do "ator" no "palco" empresarial ou quando os jogos de poder ultrapassam os limites do razoável. Voltamos ao primeiro ponto: pega bem ser workaholic.

Porém, a face mais difícil desse problema é aquela em que  a confiança é quebrada: "Não gosto do meu chefe, mas. tenho que dizer que ele é bárbaro!"; "Tenho vontade de esganar meu colega, mas"; "Ópera, acho uma chatice. Só que todos gostam, como eu vou dizer que não gosto?".

Trabalhar demais, ter muitas fontes de reconhecimento social, descuidar dos outros amores e dos outros afetos podem pôr em risco sua identidade, no sentido de reforçar apenas o papel profissional. Pode ser cruel deixar sua vida ser dirigida pelas expectativas dos outros sem perceber: "Foi só quando me vi preso no CTI que me dei conta: tomei decisões tão corajosas como presidente, mas, para manter o papel de executivo bem-sucedido, que tem uma família tradicional, não tive coragem de viver um grande amor. Não quero decepcionar as pessoas da minha família, que são importantes para mim. Mas e eu? Abri mão da minha felicidade.".

O prisioneiro do sucesso normalmente desenvolve uma brilhante carreira profissional, porém muitas vezes deixa de lado outros papéis, desprezando os pequenos prazeres da vida cotidiana, não se dedicando aos lazeres que lhe dão prazer real. Isso sem considerar a baixa disponibilidade para os papéis de parceiro amoroso, marido ou esposa, mãe ou pai, filho ou filha. Em função da absoluta primazia do papel profissional sobre todos os outros papéis, há um discurso comum, generalizado: "Quem quer ter sucesso tem que se dedicar mais ao trabalho. Por isso, me dedico muito menos a outras esferas. Por exemplo, faz sete meses que não vejo meus pais". Essa escolha tem um custo pessoal.

O jogo de poder é terreno fértil para a ação teatral, destinada a impressionar, pressionar, exacerbar qualidades que façam a diferença na hora da decisão nas disputas, ou ainda para manter e consolidar uma posição alcançada.

O lado positivo de toda essa história é que, quando se consegue vencer o jogo de poder de forma relativamente limpa, há mais reconhecimento, inclusive por parte dos perdedores. No entanto, isso não exime de sofrimento principalmente quem perdeu, gerando amargura, mesmo que o novo líder seja bem-aceito. São sentimentos contraditórios, que muitas vezes precisam ser vivenciados pelo mesmo executivo, num ambiente empresarial que não convive bem com as naturais fraquezas humanas.

 

Tem saída?

Na dúvida, "back to basics". Equilíbrio e simplicidade são palavras-chave.

Conseguem conviver melhor com as pressões do cotidiano - que, como vimos, não são poucas - aqueles cujos olhos brilham, aqueles que buscam ter prazer e curtir as pequenas vitórias e conquistas do cotidiano, aqueles que não focam apenas os grandes alvos, sempre móveis, e não esquecem o que acontece a cada instante.

Falta tempo? Analise a sua competência em priorizar e delegar. Sabe o que é fundamental para você? São mais felizes aqueles que compreendem os seus verdadeiros desejos e conseguem se desvencilhar das expectativas do outro, seja como chefe, seja como pai ou mãe, mulher ou marido, enfim, outra pessoa. São mais felizes aqueles que compartilham seus sonhos com os da pessoa amada, como também ambições e significados, aqueles que sentem orgulho do outro e são objeto de orgulho, que se desafiam intelectual e pessoalmente, alimentando o eterno jogo da conquista cotidiana.

A manutenção das "confortáveis" relações familiares com baixa taxa de emoção na relação homem-mulher não raramente "empurram" o prisioneiro do sucesso ainda mais para o trabalho. Pois no trabalho as emoções são muitas, a adrenalina está presente, o teste da própria capacidade de conquista é cotidiano e dá prazer. Curto prazer.

Tenha coragem para brigar consigo mesmo, para priorizar de fato o que lhe dá prazer, e com os outros, para buscar seu equilíbrio. Afinal, parafraseando alguns versos do gaúcho Mário Quintana no poema "A idade de ser feliz", existe somente uma época na vida de cada pessoa em que é possível sonhar e fazer planos, uma só idade para a gente se encantar com a vida sem medo nem culpa de sentir prazer e em que todo desafio é mais um convite para a luta. Essa idade tão fugaz na vida chama-se presente, e tem a duração do instante que passa.

 

*Betania Tanure, PhD, é consultora e professora da Fundação Dom Cabral
e da PUC Minas

**Antonio Carvalho Neto, PhD, é professor da PUC Minas

 

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