Eu estou aqui, por Ricardo Guimarães
O grito de Neymar ecoado em todo o planeta sintetizou o espírito da nossa época: fazer-se presente
Caro Paulo,
“Eu estou aqui!” Ainda ouço Neymar gritando depois de fazer o primeiro gol na Alemanha na final da Olimpíada. Um grito silencioso do fundo da alma, um grito em gestos para que ninguém deixasse de ouvir, batendo no peito e apontando para o chão: “Eu estou aqui!”.
Não importa se no passado distante ou recente ele esteve ausente de corpo ou de alma. O fato é que Neymar carimbou aquele gol na frente de bilhões de pessoas: “Eu estou aqui!”. Para mim, esse grito que ecoou pelo planeta naquela noite sintetizou em três palavrinhas o espírito de nossa época: fazer-se presente.
Não estou falando nada de novo para você, meu caro amigo Paulo, porque foi esse o espírito que inspirou a nossa Trip desde o começo. E será esse mesmo espírito que continuará conosco porque, mais do que nunca, o mundo e suas instituições precisarão ser redesenhados para acolher um indivíduo inteiro, presente com suas emoções, seus valores e suas ações.
Eu me lembro de nossas primeiras conversas sobre a revista, quando você disse: “Na Trip, o jornalista tem que viver a reportagem como um indivíduo, e não apenas como um profissional do jornalismo”. Aliás, para manter a tradição de dar antes, você disse isso bem antes do new journalism virar tendência.
Pois é, proteger a individualidade do indivíduo contra a padronização repressiva da sociedade não é uma briga nova. É uma briga velha porque talvez ela não seja para terminar e, no fundo, seja o principal motor de nossa evolução.
O desafio maior agora é que, hoje, o indivíduo tem um poder que nunca teve. Para o bem e para o mal. Estamos experimentando a expressão de nossa individualidade por meio de uma selfie banal, pela adesão ao movimento maker, que nos dá autonomia para produção e consumo ou até pela integração via internet a uma seita de terroristas. Uma pessoa que se diz (porque não é!) muçulmana também está dizendo “Eu estou aqui!” quando pega em armas e mata inocentes.
Bom de briga
No momento atual, a velha briga ganha novos patamares, menos românticos e heroicos e muito mais concretos e complexos. Como serão os novos contratos que vão viabilizar a convivência pacífica e segura entre esses indivíduos poderosos e livres? Quais são os direitos e deveres que as novas dinâmicas sociais vão provocar? As regras, leis e instituições criadas para a padronização e a massificação da sociedade industrial não servem para regular a diversidade e a riqueza da sociedade em rede.
Temos tudo por refazer para garantir um futuro como sonhamos; antes que os Donald Trumps se imponham cafetinando o medo que as pessoas têm desse futuro. Um futuro em que inclusive o Trump diz: “Eu estou aqui!”.
Da minha parte, você sabe, gosto dessa briga. Estou com você e toda a nossa turma. Conte comigo: “Eu estou aqui!”.
Meu abraço,
Ricardo