Rei dos cachos
O cabeleireiro Armand Ravanetti foi confidente das divas Marlene Dietrich e Marilyn Monroe
Ele ajeitou as madeixas e ouviu confidências de Rita Hayworth, Gina Lollobrigida e Marilyn – sim, a Monroe. Era amigo de Marlene Dietrich, desses de sair pra jantar. Criou os penteados usados em dezenas de filmes, alguns deles clássicos do cinema mundial como Roma, cidade aberta, de Roberto Rossellini, e A bela e a fera, de Jean Cocteau. É casado há 60 anos com a francesa Edda, com quem mora em um pacato sítio em Teresópolis, região serrana carioca. Foi lá, entre os tanques que abrigam suas carpas de estimação, que esse simpático senhor recebeu Trip para tomar um café e dividir suas memórias.
Além de cortar, Armand tinha a mania de guardar e catalogar os cachos que caíam dessas cabeças célebres. Estão todos armazenados nas páginas de um livro de exemplar único, montado ao longo de décadas – uma espécie de banco de DNA da Calçada da Fama, ao qual deu o nome de 40 anos de cacho. "Isso não tem valor nenhum", desdenha. Valendo algo ou não, ali estão fios de algumas das celebridades já citadas e ainda de gente como o dançarino Roland Petit, o ator Maurice Chevalier, a duquesa de Windsor, a primeira-dama Sarah Kubitschek e a princesa Diana. E também do escritor Ernest Hemingway, que, depois de ouvir seus casos, recomendou-lhe que escrevesse um livro. Ou então de Katherine Hepburn, cliente semanal, que contava até com um espaço secreto no salão para ensaiar suas peças.
Saber manejar bem uma tesoura era habilidade básica entre os Ravanetti. "Você pode escolher qualquer profissão na vida, mas antes tem que ser um bom cabeleireiro", determinou o pai do então adolescente Armand. Ainda criança, ajudava-o no salão e, aos 17 anos, formou-se o mais jovem cabeleireiro professor da Europa. Mas aí explodiu a Segunda Guerra Mundial e tudo virou de pernas para o ar. O rapazote promissor foi enviado para um campo de trabalhos forçados em Viena, na Áustria, e passava os dias tosando os pelos de feridos que depois seriam operados. Tentou fugir algumas vezes, até que conseguiu. Morou meses pelos esgotos de Viena até pegar estrada e vencer 1.500 km, na surdina e a pé, e voltar a Paris.
Com a paz restabelecida, Armand conheceu Edda, à época uma jovem francesa que trabalhava no mesmo salão que ele. "Era a mulher mais bonita que já vi.” No dia do casamento, não casaram. Uma correspondência extraviada não o deixou saber que, no mesmo dia, teria que estar em Nova York para atender uma cliente especial. Como “hora marcada é sagrada", ele diz, lá foram os dois, deixando os 150 convidados desamparados, com taça de champanhe na mão.
O casal, além de trabalhar nos sets de filmagem, atendia no salão de Elizabeth Arden no Champs Elysée – ele cortando e fazendo penteados, ela tingindo. Depois de Paris, viveram em Londres e Nova York. Foi na temporada americana, aliás, que o cabeleireiro fez amizade com um professor da Universidade de Princeton, com quem pescava e compartilhava o gosto pela solidão. Era Albert Einstein – Armand diz que bem que tentou, mas não conseguiu aparar os cabelos revoltos do físico.
Em 1951 Armand e Edda foram transferidos para a recém-aberta filial do salão no Rio de Janeiro. "A verdadeira liberdade, igualdade e fraternidade está na rua da Alfândega [no centro do Rio]. Árabes, gregos, italianos, orientais e brasileiros, todos vivendo juntos e pacificamente", encanta-se. O amor à primeira vista foi tão intenso que, ele assegura, convenceu Brigitte Bardot e Edith Piaf a darem umas bandas por aqui.
Em 1986, pendurou as tesouras, fechando o salão próprio que tinha perto do Copacabana Palace. Vendeu para o cirurgião Ivo Pitanguy a casa na Gávea onde morava e comprou então o sítio em Teresópolis, para dedicar-se à piscicultura. "E você não sente falta do agito, dos tempos de glamour, seu Armand?" Ele responde, com seu forte sotaque: "Naturralmente".